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    Numa era turbulenta, marcas de moda se posicionam politicamente mais do que nunca
    A coleção cápsula Action, da Opening Ceremony ©Reprodução
    Numa era turbulenta, marcas de moda se posicionam politicamente mais do que nunca
    POR Redação

    Por Luísa Graça

    woke, adjetivo [em inglês]: Originalmente: bem informado, atualizado. Refere-se à alguém alerta para injustiças e discriminações raciais ou sociais; frequentemente usado em: stay woke.

    Esta foi uma das palavras introduzidas ao Dicionário Oxford em junho deste ano, junto com ‘pós-verdade’. A palavra, que em seu sentido mais básico significa meramente estar ‘acordado (a)’ ou ‘desperto (a)’ depois de dormir, ganhou essa poderosa nuance social e politicamente carregada entre a comunidade negra americana nos anos 1960, mas foi popularizada massivamente na última década, como parte do refrão da música Master Teacher, da Erykah Badu, e também associada ao movimento Black Lives Matter, especialmente nas mídias sociais.

    Sermos política e socialmente despertos hoje é imprescindível, ainda mais em meio à onda nacionalista e conservadora que sobrevem a política mundo afora – Donald Trump, Brexit, Bolsonaro, você escolhe – e aos discursos de ódio que percorrem a internet. Sendo a moda um espelho do nosso tempo, é natural que manifestações em torno de questões como diversidade, feminismo, imigração, direitos civis, valores ambientais, apropriação cultural e liberdade religiosa despontem nela também. E não apenas nas coleções de estilistas ativistas e costumeiramente engajados politicamente como Vivienne Westwood ou nas coleções de marcas mais conceituais como a newcomer russa Jahnkoy, mas também no mainstream.

    Desfile do Inverno 18 de Prabal Gurung ©Reprodução

    Desfile do Inverno 18 de Prabal Gurung ©Reprodução

    Na última NYFW, foram muitas as marcas que usaram as passarelas para se posicionar politicamente. Alguns estilistas mais indiretamente, como Raf Simons na Calvin Klein, que fez um desfile instilado de Americana ao som de This is not America, do Bowie, e as irmãs Olsen, da The Row, com palavras como liberdade, dignidade e esperança bordadas discretamente nas peças. Outros como Mara Hoffman e Tracy Reese incorporaram um statement à apresentação em si, como leitura de poesia feminista durante o desfile, por exemplo. A maioria entretanto recorreu, especialmente, a camisetas estampadas com slogans provocativos. No desfile de Christian Siriano, uma modelo desfilou vestindo uma camiseta com o escrito ‘People are people (Pessoas são pessoas)’, embalada pela música de mesmo nome da banda Depeche Mode – I don’t understand / What makes a man / Hate another man. Na Creatures of Comfort, as palavras de escolha da estilista Jade Lai foram ‘We are all human beings (Somos todos seres humanos)’ e ‘¡No!’. Prabal Gurung, que desenhou camisetas para a campanha eleitoral de Hilary Clinton, fez uma série delas com dizeres como: ‘Revolution has no borders (A revolução não tem fronteiras)’, ‘I am an immigrant (Sou um imigrante)’, ‘We will not be silenced (Não seremos silenciados)’ e ‘The future is female (O futuro é feminino)’. Jeremy Scott vestiu todo seu staff com uma camiseta que, na frente, dizia: ‘Our voice is the only thing that will protect us (Nossa voz é a única coisa que irá nos proteger)’, e atrás uma lista com o nome e o telefone de cada representante do Senado americano. A Opening Ceremony exaltou a diversidade com uma coleção inspirada por imigração e ainda criou uma coleção cápsula de camisetas e moletons evocativos, intitulada Action, estampada com slogans à la ‘Unite’, ‘Defy’, ‘Protest’.

     

    Mas não são apenas as marcas americanas (impulsionadas obviamente pela gestão Trump) que querem se posicionar de alguma maneira. Em Milão, no último desfile da Missoni, as modelos “marcharam” na fila final, vestindo gorros rosa com orelhas de gatinho como os pink pussy hats que o público usou na Marcha das Mulheres, nos Estados Unidos, em janeiro. Na semana de moda de Londres, os estilistas da Fyodor Golan criaram uma coleção inspirada no cartoon As Meninas Superpoderosas, usando frases como ‘Don’t call me a princess (Não me chame de princesa)’ em looks totalmente rosa para reverter conotações de estereótipos de gênero. Para bem ou mal, a Dolce & Gabbana lançou também camisetas com o emblema #BoycottDolce&Gabbana em resposta ao backlash que seus estilistas sofreram nas redes sociais por, orgulhosamente, vestirem Melania Trump em eventos oficiais. Maria Grazia Chiuri pegou emprestado o título de um livro da autora nigeriana Chimamanda Ngozie Adichie, We Should All Be Feminists (no Brasil traduzido como Somos Todos Feministas), para estampar uma camiseta da coleção que marcou a sua estreia como a primeira mulher na direção criativa da Dior.

    Power to the people

    Camisetas são como um outdoor, o caminho mais direto e escancarado que uma marca encontra para se posicionar, quer seja seu objetivo alinhar-se à uma tendência ou genuinamente evocar mudanças. “A camiseta é uma das ferramentas de mensagem mais forte para trazer conscientização. Você não consegue deixar de ler uma camiseta e, uma vez que a lê, ela fica no seu cérebro, agitando tudo, fazendo você pensar e agir”, afirma a estilista britânica Katharine Hamnett. Depois de lançar sua marca homônima, ela foi pioneira ao criar camisetas com slogans de mensagens políticas, ambientais e sociais (com letras giga em negrito – “para todo mundo conseguir ler à distância”) nos anos 1980, como o anti-suicídio ‘Choose Life’ e ‘Worldwide Nuclear Ban Now’, contra a proliferação de armas nucleares. Tudo começou porque ela percebeu que os modelos da sua linha de roupas eram sempre copiados por outras marcas, o que a incomodava. Decidiu, então, rir disso e criar peças cujas réplicas representariam algo bom. “A gente encorajava as pessoas a copiar as camisetas e colocar seu próprio input nelas”, explica à Dazed.

    Camisetas de Katherine Hamnett em foto de 1983 ©Reprodução

    Camisetas de Katherine Hamnett em foto de 1983 ©Reprodução

    Tal apropriação e/ou autonomia sugerida por Hamnett tem se provado, aliás, uma das vertentes mais interessantes e genuínas dessa intersecção entre moda e política, não apenas promovendo ideias desafiadoras e incitando o uso da criatividade como ferramenta política como também dando espaço para o surgimento de negócios independentes. Vide as irreverentes camisetas pró-Jeremy Corbyn (líder da oposição e  do Partido Trabalhista britânico) criadas por marcas pequenas de streetwear, como a Bristol, que tomaram emprestadas os logotipos da Nike, Champion, Louis Vuitton, Palace e Patagonia, entre outras, e substituíram os nomes delas pelo nome do candidato britânico – é o famoso logo-flipping. Rapidamente, viraram febre nas ruas e em festivais de música neste verão europeu e estão esgotados. Há quem diga que o resultado das últimas eleições do Parlamento é atribuído em parte à popularização de Corbyn entre os jovens por meio da moda de rua.

    O swoosh da Nike repadinado pela marca Bristol Street Wear ©Reprodução

    O swoosh da Nike repadinado pela marca Bristol Street Wear ©Reprodução

    Lá por 2013, inspirada pelo movimento Occupy, a baterista Tennessee Thomas fundou seu The Deep End Club, meio marca de roupas meio clube comunitário, e convidou sua geração a sair da apatia ao criar uma camiseta que virou uniforme entre a comunidade criativa de Nova York. Ela diz, com uma fonte psicodélica flower power: ‘Give a damn (algo como ‘dê a mínima’)’. Outra marca americana, a Otherwild resgatou slogans registrados em fotos de protestos nos anos 1970 e 1980. ‘The future is female (O futuro é feminino)’, ‘We are everywhere (Estamos em toda parte)’ e ‘How dare you assume I’m straight (Como você se atreve a presumir que sou hétero)’ são frases que eram tão relevantes naquela época como o são hoje.

    Também nessa linha, a Green Box, fundada por uma “mulher afro-latina bissexual de 18 anos”, como a própria Kayla Robinson se descreve, tem tateado questões que vão de direitos LGBTQ ao sistema carcerário americano e ideais de beleza em camisetas e bolsas tote com frases um pouco mais longas. Uma delas causou comoção no último final de semana, estampando o peito de Frank Ocean durante um show: ‘Why be racist, sexist, homophobic or transphobic when you can just be quiet? (Por que ser racista, machista, homofóbico ou transfóbico quando você pode apenas ficar quieto?)’.

    Aqui no Brasil, outros pequenos negócios encorajam ainda que o próprio cliente crie (ou copie) seu slogan de opção como é o caso das brasileiras Giu Couture e Boutique São Paulo que fazem bordados personalizados em camisetas.

    Frank Ocean vestindo camiseta Green Box durante o Panorama Fest ©Reprodução

    Frank Ocean vestindo camiseta Green Box durante o Panorama Fest ©Reprodução

    Todas essas pequenas marcas tem a seu favor o fato de serem independentes e não estarem embaixo do guarda-chuva de grandes grupos de moda, podendo assim produzir peças em pequena escala, localmente, sem amarras e de forma sustentável. O streetwear, hoje já infiltrado na alta moda, é ainda favorecido por ser uma moda que nasce nas ruas e que de certa forma pertence às pessoas. É muito importante se posicionar e vocalizar mensagens de empoderamento e protesto, mas é mais importante ainda que essas marcas, especialmente as grandes, invistam de fato nas ideias que pregam, desmantelando barreiras dentro do seu próprio sistema. Uma moda realmente alerta para injustiças não deve explorar movimentos sociais para se alinhar a uma tendência lucrativa de comportamento. E estar desperto não pode ser mera tendência, tem a ver com uma conscientização verdadeira que implica em dar um lugar à mesa a todos. Será que faz sentido comprar uma camiseta caríssima com uma mensagem feminista e questionadora mas que vai fazer mais pelo enriquecimento de um CEO de uma marca de luxo do que, de fato, dar espaço a igualdade de gêneros dentro dessa empresa? Será que faz sentido alguém comprar uma camiseta estampada com um jargão politizado numa loja de fast-fashion, quando todo mundo sabe que essas lojas não têm os meios mais éticos e justos de produção? Será que a moda enquanto grande indústria está mesmo ‘woke’?

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