Por Luísa Graça
Yves Saint Laurent sempre deu importância à posteridade. Desde os anos 1960, encorajado por Pierre Bergé, seu sócio e parceiro afetivo por mais de meio século, ele catalogava todas as suas criações. Em algumas já sinalizava “M” para “museu” -auspicioso, né? “Eu gostaria que meus vestidos e desenhos fossem estudados daqui a cem anos”, comentou durante uma entrevista em 1992. Não 100, mas 25 anos depois, o legado, a habilidade e pioneirismo do estilista são homenageados com a inauguração do Museu Yves Saint Laurent, em duas unidades: uma em Marrakesh (em 19.10) e outra em Paris, cujas portas abrem ao público hoje (03.10) pela primeira vez.
Adentrar o prédio na 5 Avenue Marceau pode ser uma experiência um tanto emocional. Por aquela porta que hoje qualquer visitante pode entrar, passavam apenas clientes e convidados da maison. Naquele prédio, Yves exerceu sua criatividade e savoir-faire por quase 30 anos e é ali também a sede da Fundação Pierre Bergé, onde Bergé já vinha abrindo exposições sazonais desde 2004, celebrando artistas e escritores favoritos do designer como David Hockney e Marcel Proust. O museu como santuário YSL, com um arquivo de mais de 5.000 peças, chega como concretização de um sonho vislumbrado por Pierre – melancolicamente pouco menos de um mês após sua morte, o que tornou a visita guiada da qual a reportagem do FFW participou um pouco mais sentimental, é verdade.
O projeto é assinado pelo designer de interiores Jacques Grange – que decorou a maison nos anos 1980 -, em parceria com a cenógrafa Nathalie Crinière. Nathalie já ambientou vários desfiles da Saint Laurent e é também responsável por criar as belíssimas galerias da exposição Christian Dior: Couturier du Rêve, em cartaz em Paris no Musée des Arts Decoratifs, mas aqui a abordagem é muito mais simplista e intimista.
Naturalmente, a mostra inaugural é uma retrospectiva do trabalho do couturier (a partir de agosto de 2018 exposições temporárias serão incluídas na programação), apresentando mais de cinquenta peças de roupas, além de acessórios, desenhos, fotos e vídeos que revelam seu processo criativo ao mesmo tempo em que traçam também a história e tradição da prática da alta-costura no século 20. Logo na primeira sala, damos de cara com o “Le Smoking” em toda sua glória, um trench-coat de couro, um macacão preto, a jaqueta “saharienne”. Peças que refletem a apropriação dos códigos da vestimenta masculina para o guarda-roupa feminino, um ponto decisivo na história da moda. “Coco Chanel libertou as mulheres, mas Yves Saint Laurent as deu poder”, disse Bergé certa vez.
Dali adiante é um festival YSL. Uma galeria dedicada à primeira coleção da marca, de 1962; outra focando na mélange de referências culturais – asiáticas, africanas, russas -, que trouxeram exotismo ao ethos essencialmente parisiense da YSL; outra que mostra a paixão de Yves pelas artes plásticas e a consequente influência da arte em seu trabalho, com peças inspiradas por Matisse, van Gogh e, claro, Mondrian. No meio do caminho, paredes de croquis e um box gigante com as belas e vibrantes joias da maison, além de uma sala dedicada a um curta de 15 minutos que narra a história do encontro profundo entre Yves e Pierre e outra cheia de vídeos que dissecam o passo-a-passo das coleções – os desenhos, a confecção, os acessórios, a apresentação para a imprensa.
Entretanto, a pedra angular do museu é o estúdio de Yves re-criado nos mínimos detalhes em uma sala com janelas amplas e um grande espelho ao fundo, o que permitia ao estilista enxergar as roupas nas modelos em todos os ângulos durante as provas. Tecidos, desenhos e mais desenhos, botões, anotações, manequins, a bengala do mentor Christian Dior, prateleiras cheias de livros de todos os tipos. Sua mesa tal qual ele deixou em 2008, ano em que veio a falecer, com bibelôs e amuletos (como os corações de cristal), seus icônicos óculos, uma pintura feita pelo amigo Andy Warhol em homenagem a Moujik – seu buldogue francês, mais anotações e desenhos. É tudo tão detalhado e vivo que transitar por ali parece quase uma violação de privacidade, mas para quem marcava “M” em suas peças, Yves certamente ficaria feliz em ver visitantes reverentes espiando seu estúdio.
O display inaugural fica em cartaz no Museu YSL Paris de 03.10.2017 a 09.09.2018
Museu Yves Saint Laurent Paris
5 Avenue Marceau – Paris
www.museeyslparis.com