A terceira (e maior) edição do Brasil Eco Fashion Week aconteceu semana passada reunindo nos cinco andares do prédio da Unibes um conteúdo que se espalhou por 60 painéis, 19 desfiles, 15 oficinas e ainda dois mercados de peças slow fashion e cosméticos naturais com mais de 60 expositores.
Um dos pontos que chama a atenção é a área de desfiles. Como o evento é focado na sustentabilidade não apenas ambiental, mas também social, parece natural que os desfiles também fossem impactados por essa ideia, implementando novos formatos de apresentação.
Normalmente, uma marca precisa ser convidada a entrar em uma semana de moda por um conselho que olha para questões como relevância, discurso, qualidade, estética e estrutura. O desfile é um dos pontos altos do planejamento da marca no ano e muito trabalho é colocado nessas coleções. É quando o diretor criativo trabalha na sua potência criativa para apresentar suas ideias para uma plateia composta por críticos, imprensa especializada e formadores de opinião. E a partir daí, surgem roupas, estilos e cenas que irão inspirar toda uma cadeia.
O BEFW funciona com outro modelo para os desfiles. Algumas grifes que têm propostas muito significativas e/ou sejam cases de sucesso no contexto da moda sustentável são convidadas a desfilar. Porém, marcas desconhecidas que têm interesse em desfilar podem se inscrever – elas também passam por uma avaliação da curadoria e, então, entram ou não na programação.
A questão é que, no segmento de moda sustentável, há muita parceria, e negócios como lojas colaborativas, aluguel de roupa e processos de capacitação acabam gerando coleções colaborativas que não foram feitas por diretor criativo, mas sim por várias pessoas pensando junto, às vezes até mesmo de marcas diferentes. Nesses casos, o individual dá lugar ao coletivo.
Sabendo disso, o evento optou por abrir espaço para outros tipos de negócios além das marcas. As lojas Bemglô e Ahlma desfilaram peças das grifes que vendem em seus espaços, misturando-as em um mesmo look. Roupa de uma, chapéu de outra, acessórios de outra e por aí vai. A Ahlma construiu todos os looks com peças de segunda mão e trabalhou com Alexandre Pavão, Bannanna Swimwear, Suyane Ynaya, Ecran Studios e Asa Brechó, entre outras marcas e brechós. “Nosso desfile seguiu a lógica de ressignificação do que é o novo, de entender que o novo não necessariamente são peças novas feita do zero”, diz ao FFW André Carvalhal.
Já a Bemglô mostrou 12 looks compostos por peças de grifes que estão em sintonia com seus valores, como reaproveitamento, produção artesanal e uso de matérias-primas orgânicas. Entre os participantes, estão Tom Martins, Rita Comparato, Regina dab Dab, Jorge Feitosa, Heloisa Faria e Kitecoat. “Não podemos mais ignorar que nossas escolhas diárias em termos de consumo, impactam diretamente a saúde do planeta em que vivemos”, diz Betty Prado, uma das fundadoras da Bemglô. “Queremos gerar uma reflexão sobre o consumo consciente, sobre descarte têxtil, reciclagem de tecidos, sobre economia criativa e afetiva”.
“Nosso desfile seguiu a lógica de ressignificação do que é o novo, de entender que o novo não necessariamente são peças novas feita do zero”, André Carvalhal
Uma das iniciativas de guarda-roupa compartilhado mais conhecidas de São Paulo, a Roupateca também participou dessa abertura para outros formatos na passarela e desfilou, mas os looks não foram criados para o desfile nem por uma marca apenas. Eles eram compostos pelas peças mais compartilhadas no acervo da Roupateca e foram desfilados por meninas que já são assinantes do programa de aluguel de roupas. “Temos urgência em exercitar novas formas de fazer moda no mundo. Fazer moda deveria ser cada vez mais falar sobre gente do que a roupa pela roupa”, diz Daniela Ribeiro, uma das fundadoras da empresa.
E por fim, a marca de upcycling Comas também mostrou na passarela o resultado de uma coleção totalmente colaborativa, construída em parceria com as linhas de upcycling da Mai&Mai e Luci Hidaka, de São Paulo, e modelos produzidos pelas grifes Armário Coletivo, Trama Ética e Soy Lúcida, de Florianópolis, onde a Comas participa do programa Empreendedoras da Moda, criado para capacitar empreendedoras com o Método Comas de Upcycling Raiz, criado pela marca. “Nós achávamos muito importante estar no BEFW, mas não estamos fazendo um monte de roupa suficiente pra estar em um desfile. Então resolvemos falar sobre o que estamos fazendo, que são workshops, capacitações, e chamar pessoas que já aprenderam o método e que se inspiram no nosso processo pra fazer suas coleções”, explica a fundadora Agustina Comas.
No styling, elas se inspiraram no próprio dia a dia das pessoas. “Na vida real não nos vestimos com peças de uma única marca. Por isso optamos por mostrar no desfile o uso das roupas misturadas, incluindo peças que já existem”, diz.
Para a construção do styling, foram também utilizadas como referências imagens do livro “DRESS LIKE A WOMAN, Working Women and What They Wore” e fotografias de Alfred Palmer, buscando mostrar com imagens, como essa prezam pela valorização do trabalho coletivo e da mulher na cadeia de produção.
“Entendemos o momento do desfile como uma oportunidade para que as marcas comuniquem seus valores socioambientais e culturais e manifestem artisticamente suas propostas. Queremos estimular que esse momento promova a consciência, o senso de coletividade e as soluções para o mundo real. Dar luz à iniciativas que apresentam peças de um acervo de segunda mão, looks feitos da composição de diversas marcas de produção responsável ou que simbolizam projetos educativos pela sustentabilidade”, diz Gabriela Machado, Coordenadora de Comunicação e Conteúdo do evento.