Por Larissa Roviezzo*
Queridos leitores, escrever esse texto produz uma mistura de sentimentos. São tópicos queridos ao meu coração, somados à certeza de que esse assunto é mais necessário do que a percepção da nossa mente condicionada e socializada por uma cultura que valoriza o ter em vez do ser.
A caminhada da sustentabilidade não é uma novidade. Em 1988, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (sigla IPCC em inglês ) foi estabelecido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) com o objetivo de preparar uma revisão abrangente e recomendações sobre a ciência das mudanças climáticas e o impacto social e econômico da mesma. E, já no seu primeiro relatório divulgado em 1990, foi destacada a importância de encarar as mudanças climáticas, além da relevância da cooperação internacional para mitigar as consequências globais.
Em seu último relatório, com apontamentos alarmantes, o IPCC alertou para riscos de desastres “sem precedentes” para a humanidade e o impacto irreversível do clima na Terra ( IPCC, Agência Brasil). A mudança climática deixou de ser uma preocupação sobre o futuro para nossos filhos ou netos, e se tornou uma realidade para o agora.
São projetados cada vez mais fenômenos naturais com consequências sobre a biodiversidade e ecossistemas, fatores irreversíveis que terão impacto intrinsecamente na saúde humana, na segurança alimentar, no abastecimento de água, na segurança humana e no crescimento econômico. Ou seja, uma ameaça real à humanidade, e ainda mais intensamente às pessoas em situações vulneráveis, como vimos na atual crise sanitária.
E a pergunta que fica é: sabendo de tudo isso, como nos mantemos quase indiferentes?
Este tópico, bastante discutido no âmbito da ciência, tecnologia e economia, se faz pouco presente no estudo comportamental do ser humano. E talvez seja esse o ponto central que explique como ainda não aceleramos soluções de maior escala rumo à sustentabilidade. Estudos como o artigo Empathy, place and identity interactions for sustainability, apontam que a empatia e técnicas como mindfulness são pilares na solução para a complexidade que o desafio traz.
A empatia é a capacidade do indivíduo de “assumir a perspectiva do outro (humano ou não humano) e sentir um vínculo emocional com ele” (Brown 2019). Assim, podemos dizer que o distanciamento entre o ser humano e a natureza dificulta a capacidade do indivíduo de se relacionar com o problema.
Compreender as emoções daqueles em situações de risco, uma das alarmantes consequências da mudança climática, também requer empatia. E é neste ponto que o mindfulness entra como agente transformador. O treino de voltar a atenção para o presente momento é uma ferramenta que, além de expandir a concentração, diminuir o stress e melhorar o bem estar do indivíduo, expande a preciosa qualidade da compaixão.
A compaixão, que pode ser definida como a “empatia em ação”, é cultivada no exercício da presença durante a meditação mindfulness, nos permitindo reconhecer e ser tocados pela dor, a nossa própria, e a do outro também.
E o que nos impede então de sentir compaixão e empatia no dia a dia?
Uma cultura que estimula a competição e o consumo, o sentimento de estresse e de falta de tempo. Aliás, estamos constantemente correndo contra o tempo! Uma realidade que é alimentada pelos nossos hábitos, crenças, desejos, necessidade de aprovação,… e uma longa lista decorrente do ritmo acelerado e do constante olhar para fora de nós mesmos.
E quanto mais nos sentimos ameaçados e estressados, mais os outros e tudo aquilo que está fora do nosso interesse pessoal se tornam “irreais”. O conceito Unreal others (em português, “outros irreais”) é abordado pela a doutora em psicologia clínica e professora de meditação Tara Brach, que explica que o stress nos mantém na sensação de aperto, luta, pressão. Assim, quando olhamos para o outro, o vemos como um objeto. Por um lado, criam-se expectativas de aprovação ou afeto em torno de um ser humano, já por outro lado, ele pode se tornar uma ameaça – com julgamentos e a capacidade de ferir o próximo. Ou mesmo ele pode se tornar um objeto desinteressante. O ponto é: essa realidade reduzida de retração nos separa da conexão com aquilo que realmente valorizamos em nossos corações.
E não são apenas os humanos que se tornam irreais. Quando nos identificamos com o sofrimento de uma cultura cada vez mais acelerada, a natureza também se torna um objeto irreal. E quando algo é irreal, quando não é parte de nós, podemos facilmente violá-lo (Brach).
Nesse raciocínio, a destruição e o resgate do meio que nos foi dado em abundância começa na nossa própria vida. E ao que tudo indica, desacelerar e praticar a atenção no presente momento é sim um grande e precioso passo rumo à regeneração do nosso planeta.
Chegou a hora de escalar a liderança. Seria a empatia e a ação consciente o quarto pilar do tripé, ou o círculo que envolve os três famosos conceitos que nos trouxeram até aqui? A orientação ego-centrista claramente não proporcionou grandes progressos, a sustentabilidade corporativa ainda é praticada a partir do auto beneficiamento. Talvez o outro-centrismo e eco-centrismo são nossa única esperança.
* Larissa Roviezzo é consultora de sustentabilidade na Regenerate Fashion
@LarissaRoviezzo