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    Reflexão

    Como a desigualdade de gênero afeta a saúde mental das mulheres na moda?

    Reflexão

    Como a desigualdade de gênero afeta a saúde mental das mulheres na moda?

    POR Redação

    Por Eloisa Artuso

    Certamente aspectos como gênero, raça, classe e geografia são indicadores de como, onde e em qual intensidade as pessoas vem sofrendo com as consequências das grandes mudanças que aconteceram no mundo desde o início de 2020. O que coloca as mulheres, mesmo que em diferentes contextos, em um lugar de profundo impacto, em todas as esferas de suas vidas.

    Mas é importante lembrar que, independentemente da pandemia, a pressão sofrida pelas mulheres é uma realidade histórica e não um fenômeno atual. Há não muito tempo, assisti a uma aula da urbanista, escritora e feminista negra, Joice Berth, em que ela comentava sobre como temos falado que a pandemia “escancarou ou aumentou as desigualdades”, quando na verdade, a diferença entre o antes e o depois da Covid-19, é que agora não podemos mais virar o rosto para o que sempre aconteceu. O machismo, a violência, a misoginia sempre estiveram aí. Então o que vivemos hoje, nada mais é do que a continuação de uma história de opressões de gênero. Uma história que vem sendo construída desde a Antiguidade. Assim, o que a pandemia escancarou, não foi um fenômeno recente, mas a desigualdade sob uma perspectiva histórica.

    E como a desigualdade de gênero afeta o estado mental, emocional e físico das mulheres? Sabe a tão conhecida jornada dupla? É tripla para grande parte das mulheres. Ela consiste na sobrecarga de trabalho diário que recai sobre a mulher atualmente. Apesar de formarem uma parcela importante do mercado – na indústria da moda, de 60% a 75% da mão de obra é feminina – a igualdade caminha a passos curtos, já que as tarefas domésticas não deixaram de ser responsabilidade das mulheres. Mesmo que a mulher possa contratar uma pessoa (leia-se: outra mulher, de baixa renda e provavelmente negra) para realizar as tarefas em sua casa, ela ainda é a pessoa encarregada de garantir que esse espaço esteja sendo cuidado como esperado.

    Assim, o dia é dividido entre o trabalho fora de casa e o trabalho ou o ‘gerenciamento’ dentro de casa. As despesas domésticas passaram a ser divididas com os homens, mas não a responsabilidade pela casa. Em média, mulheres dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. O cuidado físico e emocional os filhos, idosos ou outras pessoas da família também recai sobre as mulheres.

    O papel de cuidadora da casa e dos filhos também impõe sobre as mulheres barreiras ainda maiores para a saída do ciclo de exploração econômica. Por exemplo, uma mãe e seu bebê têm o direito à amamentação por pelo menos 6 meses, no entanto, vemos muitas políticas de empresas voltadas à licença maternidade que limitam esse período a 3 ou 4 meses, obrigando a mulher a priorizar seu trabalho para não correr o risco de perdê-lo. Sem contar que a maternidade é, em grande parte, vista como uma “desvantagem” competitiva entre seus funcionários.

    Nesse sentido, a pandemia “escancarou” como a economia explora as mulheres, fato que há décadas a filósofa, professora e ativista feminista Silvia Federici, junto a um grupo de pensadoras, critica ao apontar a forma como as sociedades capitalistas falham em reconhecer ou apoiar o que é chamado de “trabalho reprodutivo”. Isso não se refere somente a ter filhos e criá-los, mas indica todo o trabalho relativo à manutenção da vida, ou seja, manter a nós mesmas e aos outros ao nosso redor bem alimentados, seguros, limpos, cuidados e prosperando. Trabalho este, que é essencial e deve ser feito continuamente, mas que, no entanto, a economia não reconhece e nem remunera.

    Além disso, na indústria da moda, dentro e fora das empresas, ao longo de toda a cadeia valor, as mulheres estão suscetíveis a diversos tipos de assédios e violências. O relatório Mascarando a Miséria, do Business & Human Rights Resource Centre, analisou como a pandemia afetou os trabalhadores migrantes da indústria em São Paulo, e apontou que 89% dos entrevistados vivem no mesmo lugar onde costuram e que o perfil prevalente é o de mulheres bolivianas. Elas são um perfil mais vulnerável aos efeitos negativos da pandemia, assim como à sobrecarga com o cuidado da casa e a violência doméstica, já que as mulheres podem ter sido forçadas a se isolar com seus agressores. Vale mencionar que essas acomodações são abarrotadas, com famílias inteiras vivendo em quartos apertados sem qualquer ventilação ou luz natural, onde o trabalho é realizado em condições extremas de opressão, baixos salários, jornadas exaustivas e medidas de segurança e saúde precárias ou inexistentes.

    Recentemente, colaborei para a publicação Palinha #7: Prestação de Contas sobre Direitos das Mulheres na Indústria da Moda, do Centro de Estudos em Direitos Humanos e Empresas da FGV em parceria com o Fashion Revolution, que também aponta essa posição de maior vulnerabilidade das mulheres na cadeia de valor da moda. Para além dos abusos aos direitos humanos tradicionalmente encontrados na indústria, como os relacionados à saúde e segurança, condições análogas à de escravo e trabalho infantil, as mulheres estão expostas a outros tipos de exploração relacionadas à gênero, como: assédio e abuso sexual; e maior propensão à violência física, psicológica, moral e sexual no ambiente de trabalho. Ainda, as condições precárias de trabalho podem afetar mais as mulheres, considerando particularidades da saúde feminina como, por exemplo, mulheres tendem a desenvolver infecções urinárias decorrentes da exposição à produtos químicos sem a devida proteção.

    Diante disso, o que podemos esperar em relação a saúde mental e bem-estar das mulheres? No livro Feminismo para os 99%: um Manifesto, as autoras destacam que a opressão de gênero em sociedades capitalistas está fundada na subordinação da reprodução social para o lucro da produção e que essas sociedades são, por definição, fontes de opressão de gênero, pois o machismo está infiltrado em suas estruturas. A supremacia heteronormativa, branca, capitalista nos transformou em verdadeiras máquinas, trabalhando sem descanso, para continuar girando a roda desigual, que favorece só uma parte da população, que se beneficia da exploração do restante.

    Termino com as palavras da artista e ativista americana, Tricia Hersey: “podemos imaginar um novo mundo. Um novo mundo é possível, mas ele não virá da exaustão.” Estamos todas, todes exaustes. Então agora a gente para, respira, descansa, resiste e continua a lutar para que não sejamos mais um instrumento desse sistema injusto. Que passamos romper de uma vez por todas essas desigualdades históricas. Por nós, pelas que vieram antes de nós e por aquelas que ainda estão por vir.

    Eloisa Artuso tem interesse especial na luta por justiça de gênero e climática. É designer, coordenadora do Índice de Transparência da Moda Brasil, cofundadora do Instituto Fashion Revolution Brasil e professora de Design Sustentável do IED-SP. Com um trabalho que se encontra no espaço entre sustentabilidade, educação e design, lidera projetos que incentivam profundas transformações na indústria da moda. Siga @eloartuso

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