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    Conheça o trabalho do Instituto Alinha, que tira oficinas de costura da ilegalidade
    Conheça o trabalho do Instituto Alinha, que tira oficinas de costura da ilegalidade
    POR Camila Yahn

    Dari Santos, 28, é uma daquelas pessoas que você agradece quando cruza sua vida. Fundadora do Instituto Alinha, ela faz a ponte entre oficinas de costura capacitadas e legalizadas com marcas de moda. Quando esse encontro acontece – a contratação de um serviço justo – é um momento de celebração no Alinha porque o esforço nos bastidores para tirar costureiros da ilegalidade e do trabalho abusivo é longo, árduo e constante.

    Segundo dados oficiais, há em São Paulo cerca de 300 mil cidadãos sul americanos vivendo em precariedade e trabalhando dentro do que ficou conhecido como o “sistema do suor”. A cidade virou um destino de pessoas, especialmente bolivianas, que vêm para trabalhar na indústria do vestuário.

    A missão do Alinha é encontrar essas pessoas, tirá-las das condições de trabalho análogo à escravidão, capacitá-las e legalizar suas oficinas. “É muito difícil entender como uma marca de larga escala com uma base pequena de fornecedores imagina que é possível fazer 10 mil peças em uma semana. A marca sabe o quanto leva pra fazer as peças”, diz Dari em uma conversa pelo hangout.

    Só no ano passado, o Alinha assessorou 46 oficinas, impactando positivamente 288 costureiros e costureiras. O sistema do instituto usa a tecnologia como ferramenta fundamental de transparência, compartilhando os processos através do uso do Blockchain, de maneira que costureiros, marcas e consumidores conseguem acompanhar todas as informações, como quem fez as roupas e o quanto receberam pelo serviço. “Ocupo um lugar de diálogo e estou sempre em busca de soluções”, diz sobre a ponte que faz entre oficinas e marcas.

    Engajada, visionária e eficiente, Dari conta na entrevista abaixo as discrepâncias que viu em “oficinas invisíveis”, fala sobre o papel que as marcas têm nessa conta e como o sistema pode melhorar. 

    Dari e Omar, dono de oficina capacitada pelo Instituto Alinha / Cortesia

    Dari e Omar, dono de oficina capacitada pelo Instituto Alinha / Cortesia

    Como funciona?

    Visitamos as as oficinas e fazemos um diagnóstico com 68 perguntas e/ou observações dentro do espaço da oficina. A Alinha automaticamente transforma essa avaliação em estrelas (1 ou 2 estrelas significa que há muito a ser feito). A partir daí partimos pra um real plano de ação sobre o que precisa ser feito e acompanhamos a oficina por seis meses. Quando ela consegue implementar os pontos fundamentais de saúde e segurança, uma chave é virada no software do Alinha e ela passa de invisível para visível. E aí qualquer marca pode encontra-la.

    Como vocês mantém o instituto?

    Nosso serviço para as oficinas é gratuito. Nós captamos recursos de fundações, organizações, editais e prêmios.

    Como vocês encontram essas costureiras?

    Eu ia pra rua, fiz um trabalho de porta a porta. Mas ninguém abre a porta de uma oficina irregular. As pessoas acham que é uma auditoria, que é o governo… Levou um tempo. Temos parcerias com organizações de base, como a Aliança Empreendedora, que construiu uma formação específica para donos de oficina de costura. Achamos muita gente através deles e hoje temos mais gente do que vaga.

    Quantas oficinas vocês conseguiram atender nos últimos anos?

    Nosso último dado oficial é de 2019, quando assessoramos 46 oficinas, impactando 288 costureiras e costureiros.

    O que você já encontrou ao entrar nessas oficinas?

    Eu devo ter visitado umas 40 oficinas ilegais. Nessas visitas já encontrei muitas dessas marcas famosas sendo costurada a dois reais. Fazia stories sem mostrar a marca falando o quanto era o preço que a gente tinha encontrado no site da marca e perguntávamos o quanto achavam que o costureiro estava ganhando. Já peguei peças que custam R$ 440 sendo costuradas a dois reais, peças de R$ 2 mil a R$ 18.

    Isso acontece muito também pelo fato da indústria ser altamente terceirizada.

    Nessa cadeia, não necessariamente é a marca que tá pagando 2 ou 3 reais.  Essas oficinas não tinham relação direta com a marca. Agora, como essa roupa vai parar nessas oficinas? É a forma como a cadeia funciona: você tem que produzir muito rápido e num custo baixo. Você tem uma cadeia de fornecedores cadastrados já com contratos abusivos – os fornecedores podem ser excluídos da lista se atrasarem na entrega, por exemplo. Eles têm muito medo de perder a marca.

    E ainda tem a quarteirização e a quinteirização. Os fornecedores vão repassando as roupas de oficina pra oficina. Ele recebeu um pedido e viu que não vai dar conta, mas não quer perder o trabalho, então ele repassa uma parte pra outra oficina que também repassa pra frente. Só que, cada vez que você repassa, você capitaliza em cima da oficina que está contratando. E assim vai. Sempre tem alguém desesperado que pega qualquer coisa dentro de qualquer condição. Costuram o que chega sem nenhuma margem de negociação.

    As marcas estão sempre cientes do que acontece nas oficinas?

    As marcas estão cientes, então ninguém está imune desse processo de culpa. Pagar caro não dá garantia de que foi feita por trabalho justo.

    E como é o seu contato com as marcas para que elas contratem as costureiras que o Alinha capacita?

    Isso foi uma grande mudança em 2019. Começamos a ver iniciativas via marcas e passamos a ser conhecidos por marcas maiores. Por exemplo, em vez de cortar os fornecedores que não são aprovados, eles são encaminhados pro Instituto Alinha. Passamos a fazer assessoria para as marcas e aqui elas encotram várias oficinas que já foram avaliadas e continuam sendo avaliadas. Nós criamos alguns planos para que marcas assinantes tenham acesso a essas oficinas. E as oficinas nunca pagam nada.  Abrimos vagas de acordo com as condições que temos pra atende-las gratuitamente. Todos os critérios estão disponíveis na nossa plataforma.

    Oficina de Lídia e Carlos / Reprodução

    Oficina de Lídia e Carlos / Reprodução

    Oficina da Silvia e do Sergio / Reprodução

    Oficina da Silvia e do Sergio / Reprodução

    Quais marcas estão trabalhando com o Instituto Alinha?

    Olha, eu sou ativista e crítica das marcas, mas num lugar de diálogo e sempre em busca de soluções. Não divulgo os nomes das empresas porque eu não tenho um papel ativo dentro da marca. Nosso papel ativo é com as oficinas e a Alinha é um lugar de confiança do consumidor. Eu não sei se a grife está produzindo apenas uma peça, uma coleção ou se 100% da produção é feita de forma justa. Algumas marcas assinam a plataforma para mostrar que é justa. Outras estão começando e não sabem onde contratar esse serviço. Outras querem de fato mudar sua cadeia.

    Quantas marcas assinantes vocês têm hoje?

    Temos 25 assinantes. Uma que está há muito tempo com a gente é a Flavia Aranha. Também trabalhamos com a Amaro e estamos fazendo um trabalho muito positivo com a NK Store. A Natalie nos deu abertura de trabalhar a reprecificação de todos os produtos. É impossível você cobrar mais do fornecedor sem oferecer mais pra ele em troca.

    Como funciona essa reprecificação?

    Vivemos em um mundo completamente diferente do da NK. É um mercado de luxo e não cabe a mim dizer o quanto uma peça lá deve custar. O meu papel é confirmar que a peça tenha sido feita com um custo/hora justo. Cada oficina tem seu próprio custo/hora, o que muda de acordo com a região em que ela está, a quantidade de funcionários registrados. Se está mais perto do centro, seu preço será maior. Se é só um casal administrando, ela vai ter um custo menor do que uma com cinco costureiras registradas. Geralmente é entre R$ 15 e R$ 25, mas tem oficinas que chegam a R$ 32 o custo/hora. Basicamente, a pergunta que fazemos é: quanto tempo levou para fazer essa roupa? Não sou de ficar elogiando marcas, mas existem algumas que topam abrir suas imperfeições para poder mudar.

    Você vê mudanças positivas nessa cadeia?

    Tem algumas mudanças. O meu trabalho não é ser um órgão fiscalizador. É muito mais pelo prêmio de quem faz certo do que pela punição de quem faz errado. O que posso fazer é formalizar esse cara para que ele tenha condição de dizer não para situações abusivas. A marca depende dos fornecedores. Quando todos dizerem não, ela deixa de existir.

    Não acho que estamos muito longe de conseguir uma mudança. Estamos crescendo todos os anos em números e isso mostra que o mercado está mudando.

    Marcas grandes nos procuraram e trabalhamos juntos. Vejo uma mudança, mas não é uma mudança padrão, a mesma motivação para todas. Mas não importa o motivo. Se você tá vindo pelo medo, pela tendência ou pela conscientização, você precisa vir de alguma forma.

    Como funciona o sistema de tag?

    A Tag divulga quem fez cada processo e quanto o prestador de serviço recebeu por aquela etapa de produção. Todos os envolvidos (empresa, oficina e consumidor) ficam sabendo que a marca tá modelando com a Marilia, cortando com o João e finalizando com o Ana. A costura custa R$ 20, o acabamento R$ 5 e os prazos de entrega são esses. Nosso sistema envia pro sistema dos fornecedores confirmando quantidade de peças, valor e prazo.

    O que te levou a criar o Instituto Alinha?

    Nao sou da moda, sou formada em Relações Internacionais, mas foi por acaso. Era para ter estudado medicina porque queria trabalhar com ajuda humanitária, mas não passei. Mas eu tinha tirado uma nota boa no Enem e na época tinha o Prouni, que pagava uma faculdade particular para um aluno de escola pública que tivesse atingido a nota de corte do curso. Eu fui aprovada com uma bolsa 100% integral na PUC. Sou do interior, sempre estudei em escola pública e, na minha cidade, a PUC é vista como uma universidade de grã fino, de prestígio. Seria impossível, a partir da minha base familiar, pagar para estudar lá. Então resolvi fazer.

    Antes ainda eu já tinha criado o Engajamundo, ONG ativista com temas como mudanças climáticas, gênero e sustentabilidade. É uma formação pra jovens sobre formas de fazer ativismo, pro jovem colocar a sua voz e dizer o que entende sobre qual é nosso papel na sociedade.

    Foi na faculdade que você se deparou com a questão do trabalho escravo?

    No quarto ano peguei um frila para uma mestranda e comecei a fazer uma pesquisa de campo sobre imigrantes bolivianos que vinham pra SP e acabavam no trabalho em condições análogas a escravidão. Conversei com muitos desses imigrantes. Eu não sabia que isso acontecia em São Paulo. Fui me aprofundando e acabei fazendo desta a minha pesquisa de TCC.

    Então surgiu a possibilidade de me inscrever pra uma competição do Social Good Brasil, para quem usa a tecnologia pra fazer uma boa ação. Eu já tinha trabalhado  em desenvolvimento de tecnologia pra bankline. Uma amiga que fazia Direito entrou comigo e nos inscrevemos, tentando achar uma solução para dar fim ao trabalho escravo. A primeira ideia era ter uma calculadora dentro de um software que pudesse prever o trabalho escravo antes dele acontecer.

    E ganharam?

    Ganhamos. Recebemos um capital semente e foi aí que surgiu a ideia do Instituto Alinha como uma solução, que era uma assessoria que visa a regularização dos que estão invisíveis e irregulares. Porque quem está invisível vai continuar invisível, quem trabalha 16 horas vai continuar… Por meio do Alinha, elas teriam condições de serem incluídas em cadeias produtivas. Pra tirar a oficina da precariedade, precisa dessa formação, dessa capacitação, de CNPJ, de outros trabalhadores regularizados. Ninguém vai contratar alguém só porque é socialmente legal.

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