A Suécia sai na frente quando o assunto é reciclagem. Além de ser pioneiro em sistemas de economia circular lixo zero, o país recicla 99% do lixo doméstico, segundo o WWF. É natural que o primeiro shopping de produtos reciclados, recuperados e upcycling do mundo tenha surgido justamente lá, numa cidadezinha a oeste de Estocolmo com pouco mais de 65.000 habitantes.
O ReTuna Återbruksgalleria, em Eskilstuna, foi fundado no final de 2015 por um grupo de ativistas ambientais com o intuito de fazer negócios sem criar danos e gastos ao meio-ambiente. O lugar funciona como centro tradicional de reciclagem e centro de compras. Você leva um jogo de panelas que não usa mais e em seguida pode comprar uma jaqueta ou uma escrivaninha nova. No depósito de reciclagem, uma equipe faz o inventário e avalia todos os materiais recebidos. O que pode ser reutilizado pelos lojistas é distribuído entre eles para passar por um processo de reparo, upcycling ou reciclagem e, então, o produto final é vendido no shopping – o que não tem utilidade para eles é direcionado para outras instituições que podem fazer proveito desses materiais. Apesar de o centro de reciclagem ser gerido por um órgão municipal, as lojas são empresas privadas.
São 14 lojas ativas que oferecem peças de segunda-mão de toda ordem: móveis e objetos de decoração, eletrônicos, roupas, brinquedos, bicicletas, ferramentas de jardinagem, materiais de construção e artigos esportivos. O espaço conta ainda com um restaurante/café orgânico, sala de conferência e centro de treinamento educacional de reciclagem e reparos. “É importante para a gente que os lojistas tenham tino comercial, que queiram ganhar dinheiro tanto quanto querem salvar o planeta. O shopping tem objetivo comercial”, explica uma das fundadoras, Anna Bergström, ao site Progrss. “Em Eskilstuna e no restante da Suécia, nós começamos a consumir de maneira mais consciente, mas ainda temos muito a fazer para alcançar mais pessoas para agir de forma sustentável”.
Para a surpresa de Anna, o shopping tem tido um resultado comercial melhor do que o esperado. Além de beneficiar a economia local com novos empregos na área de restauração e varejo e dar espaço a artesões e start-ups locais, o ReTuna recebe em média 600 a 700 visitantes diariamente durante os sete dias da semana em que fica aberto. O que era classificado como lixo torna-se, assim, oportunidade.
Foco no reparo
Um shopping pode parecer ambicioso demais para algumas cidades em que as pessoas ainda não estão tão abertas ao consumo second-hand, mas a ideia de fazer a curadoria de itens descartados em centros de reciclagem e capacitação de pessoas para reparos em itens do dia-a-dia é algo que vem ganhando força em muitos lugares.
Em Edimburgo, por exemplo, a The Edinburgh Remakery, fundada em 2016, é hub de varejo e workshop em que as pessoas podem comprar computadores e mobília usadas; doar artigos de tecnologia, tecidos e móveis; e aprender a fazer reparos em tecidos, computadores, telefones celulares e mobiliário, participando de cursos e workshops. Uma rede de “remakeries” comunitárias tem se alastrado por todo o Reino Unido, como é o caso da Remakery Brixton, espaço de workshop cooperativo, e o The Restart Project, projeto itinerante de oficinas de conserto de gadgets, ambos em Londres.
“Brexit, Trump, Trident… para aqueles que acreditam em valores sociais e ambientais progressivos, 2016 foi como um sonho ruim. Encarar as mudanças climáticas nunca foi tão urgente e, ainda assim, o governo do Reino Unido está fechando o departamento que tange às mudanças climáticas e abertamente engajado em retórica xenofóbica”, explica Sophie Unwin, fundadora da The Edinburgh Remakery. “Tenho certeza que não sou a única a querer acordar para algo diferente disso”.
Na Argentina, foi criado no ano passado o El Club de Reparadores, também com o intuito de reivindicar a importância do reparo como estratégia para consumo responsável e prática sustentável. É um evento itinerante de oficinas coletivas de reparo – de aparelhos eletrônicos a roupas – que ocupa cafés, feiras e lojas. Em Varde, na Dinamarca, um pequeno centro comunitário também promove oficinas, mas em endereço fixo.
Talvez nem toda cidade possa ter um shopping como o ReTuna ainda, mas a ideia de revelar o valor de objetos descartados através do reparo e da renovação é um modelo que bem pode ser seguido em qualquer lugar.