FFW
newsletter
RECEBA NOSSO CONTEÚDO DIRETO NO SEU EMAIL

    Não, obrigado
    Aceitando você concorda com os termos de uso e nossa política de privacidade

    Ponto de Vista: A sustentabilidade é uma jornada que requer humildade

    Especialista Yamê Reis fala sobre as novas metas de redução de emissões e o perigo do green washing para o mercado de moda

    foto: anna shvets/ pexel

    Ponto de Vista: A sustentabilidade é uma jornada que requer humildade

    Especialista Yamê Reis fala sobre as novas metas de redução de emissões e o perigo do green washing para o mercado de moda

    POR Redação

    Por Yamê Reis*

    O sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC ) divulgado neste mês de agosto alerta o planeta que nenhuma solução será satisfatória se não cortarmos as emissões de gases de efeito estufa (GEE) imediatamente. O elemento assustador revelado é a velocidade das mudanças do clima e o tempo mais curto do que se imaginava para reverter os impactos negativos. Temos feito pouco até aqui e estamos numa corrida contra o tempo. O relatório deixa claro que metas de redução de emissões devem ser consideradas para o prazo de 5 ou no máximo 10 anos, pois só assim podem fazer a diferença.

    Inúmeras soluções tecnológicas têm sido testadas e aplicadas nas últimas décadas, como ações de compensação ou remoção do carbono da atmosfera e sua armazenagem no solo, porém nenhuma ação efetiva para cortar as emissões e evitar o acúmulo contínuo de CO2 e metano na atmosfera e nos oceanos. Ou seja, a continuar dessa forma, seremos uma civilização trabalhando desesperadamente para retirar os gases de efeito estufa da atmosfera. E onde vamos armazená-los num planeta em aquecimento com solos sobrecarregados de serviços essenciais para o meio ambiente ?

    Desde a Conferência da Eco 92 no Rio de Janeiro, quando os governos concordaram sobre a necessidade de estabilizar as concentrações de GEE na atmosfera, muito se investiu na troca de padrões energéticos para fontes renováveis, na tentativa de reverter o aumento das emissões dos combustíveis fósseis. Mas logo na virada do milênio foi ficando claro que essas soluções não eram viáveis para evitar as mudanças climáticas. Começaram então a surgir outras ideias, como as tecnologias de captura e armazenamento de carbono, mas que já no encontro de Copenhague em 2009 se mostravam insuficientes. As quantidades de dióxido de carbono na atmosfera cresciam a passos largos.

    O que a moda pode aprender com os resultados do relatório do IPCC ?

    Em primeiro lugar a moda precisa repensar sua dependência dos combustíveis fósseis. O recente relatório publicado pela Change Markets projeta para 2030 o uso majoritário de 73% de fibras sintéticas, sendo 85% dessas poliéster. O uso excessivo do poliéster provoca o aumento das emissões de GEE desde a extração dos recursos até o descarte nos aterros sanitários, já que uma porção muito ínfima desses materiais têxteis retornam a cadeia para reciclagem. Portanto, marcas que almejam alcançar atributos sustentáveis devem rever imediatamente as quantidades usadas de fibras sintéticas e artificiais em suas coleções.

    Em segundo, objetivamente as cadeias de suprimento podem ser afetadas drasticamente com os eventos climáticos como fogo ou inundações, atingindo diretamente trabalhadores que possuem condições mais vulneráveis de vida. Refugiados climáticos podem ser uma realidade inclusive em áreas onde eventos extremos devem ocorrer, como o semiárido brasileiro, ou o Centro-Oeste, afetando diretamente o agronegócio. A produção do algodão em monocultura no Cerrado, como já alertado na campanha Moda sem Veneno tem sido parte responsável no aumento das emissões de GEE no Brasil pelo uso excessivo de agrotóxicos, provocando pressão e contaminação excessiva sobre o solo, impedindo o armazenamento de carbono.

    Quanto à mensuração e divulgação de dados, o Índice de Transparência Global do Fashion Revolution de 2021 atesta que menos de 25% das gigantes do varejo revelam suas emissões de carbono e menos de 20% a pegada de carbono de seus materiais. Esse fato é preocupante especialmente quando muitas dessas marcas são signatárias de acordos para neutralização de carbono, como o Fashion Pact e o UN Fashion Charter. Além disso, a maioria delas calcula as emissões de suas instalações apenas, quando é estimado que as emissões da cadeia podem ser até 5,5 vezes maior.

    Mas porque as marcas reforçam ações de carbono neutro ou carbono negativo na sua comunicação? Não seria essa mais uma forma de confundir o consumidor sobre o que realmente importa? Ações de compensação de carbono (ou seja, o cálculo da pegada de carbono de um produto e a compra do equivalente em créditos de carbono, como ações de reflorestamento e outras) são importantes, porem não deveriam ser a prioridade das empresas no combate à emergência climática.

    Marcas e conglomerados de luxo, como Kering, LVMH, Burberry e Levi’s, propagam reduções de até 60% nas emissões de GEE de sua cadeia de suprimentos, porém não está claro como e nem sempre quando essas metas serão alcançadas. No Brasil marcas se declaram 100% Carbono Neutro ou 100%Carbono Negativo da noite para o dia, compensando suas emissões, sem que o consumidor entenda exatamente o peso real dessa ação no combate à emergência climática. Compensação de carbono não pode ser passe livre para consumo e mais emissões de gases de efeito estufa.

    Foto: Cherie Birkner para Unsplash / Reprodução

    Foto: Cherie Birkner para Unsplash / Reprodução

    O impacto do greenwashing

    Se a mensagem não for clara, o marketing das empresas pode estar incorrendo numa ação de greenwashing, que é quando ela apresenta um produto ou um serviço como tendo um impacto positivo no meio ambiente maior do que ele realmente tem. Na maioria das vezes isso acontece por desinformação, falta de estudo e investigação sobre a cadeia produtiva. É muito comum que o marketing não entenda todo o processo de produção ou que tente simplificar a mensagem. Mas a urgência de provar eficiência sustentável sem o correto entendimento da complexidade dos processos pode provocar mais desinformação do que esclarecimento ao consumidor, que tem despertado para a sustentabilidade e vem pressionando as marcas por mais compromissos socioambientais.

    A sustentabilidade é um termo muito amplo, e as marcas criam narrativas para vender seus produtos que podem desviar das questões mais essenciais. Pelo excessivo número de produtos “eco-friendly” e “sustentáveis” no mercado, a União Européia está criando um conjunto de leis de proteção ao consumidor contra o greenwashing. Iniciativas como o Green Watch, da University College of Dublin, foram criadas para analisar, através de algoritmos e inteligência artificial, afirmações sobre sustentabilidade produzidas por 700 empresas globais, comparando-as ao seu desempenho nas ações e práticas sustentáveis.

    A sustentabilidade é uma jornada que requer humildade para aprender, pesquisar, trocar conhecimentos com outras áreas de pesquisas, já que estamos diante de um mundo em profunda e acelerada transformação. E a verdade é que a moda está longe de ser sustentável e que o consumismo que ela provoca é o maior responsável pelos níveis de 4% a 10% do impacto do setor no aquecimento global. Portanto, não dá para falar de sustentabilidade, carbono-zero ou redução de emissões, sem abordar a questão da redução do consumo e do ritmo exponencial de crescimento que o setor impõe à economia.

    Precisamos repensar o significado de crescimento e progresso e seu sentido para a sustentabilidade global. O relatório do IPCC confirma o que muitos estudos já apontavam, que a única solução, tanto para a transição energética quanto para a emergência climática, é assumir que continuar crescendo sem causar mais danos é impossível, e que é preciso estabilizar a economia.

    Portanto, estender a vida dos produtos, comprar roupas em brechós, reduzir o descarte e desacelerar o consumo são medidas urgentes no sentido da nova economia verde. Marcas com ambições sustentáveis devem deixar claro como pretendem substituir os materiais e estender o uso dos produtos, evitando que terminem nos aterros sanitários.

    Estamos vivendo a década que vai definir se a Humanidade vai conseguir frear a destruição planetária, e cabe a todos nós colaborar para essa mudança.

    Para saber mais

    https://www.edie.net/news/6/Most-fashion-brands–failing-to-disclose-supply-chain-emissions—despite-net-zero-pledge/

    https://theconversation.com/climate-scientists-concept-of-net-zero-is-a-dangerous-trap-157368

    https://www.voguebusiness.com/sustainability/fashions-takeaways-from-the-un-climate-change-report

    *Yamê Reis é consultora de sustentabilidade, Mestre em Sociologia e Política e coordenadora de Design de Moda do Istituto Europeo di Design do Rio de Janeiro.

    Não deixe de ver
    ApexBrasil abre inscrições para levar marcas locais sustentáveis à Milão Fashion Week
    Enjoei abre sua primeira loja física em São Paulo, o lucro recorde da plataforma de roupas second-hand Vinted e muito mais
    Sabrina Sato como nova embaixadora da Hope, as denúncias envolvendo a Zara e a H&M e o desmatamento no Brasil, a nova coleção da Dod Alfaiataria e muito mais
    Stella McCartney e Veuve Clicquot lançam couro de resíduos de uva
    Brasil Eco Fashion Week se consolida em edição de ótimas coleções
    Enjoei se une a Paula Rondon em parceria inédita
    Brasil Eco Fashion Week tem início nesta semana em São Paulo
    Couro fake é mesmo ecológico?
    Airon Martin e Heineken se unem em novo projeto
    FFW