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    Quem são, o que fazem e em que acreditam as mentes por trás da Estileras
    Ricardo Boni e Brendon Xavier no ateliê provisório das Estileras no Coletivo Cabeças / Cortesia
    Quem são, o que fazem e em que acreditam as mentes por trás da Estileras
    POR Camila Yahn

    O FFW foi visitar o ateliê da Estileras, marca de Ricardo Boni e Brendon Xavier, que está provisoriamente no Coletivo Cabeças. Com 22 e 21 anos respectivamente, os meninos estão mergulhados em um estudo de estética e comportamento em que um dos resultados é a marca Estileras.

    A estética que criam e consomem traduz o caos do mundo hoje, sem barreiras, sem fronteiras, onde online e offline, feminino e masculino, riqueza e pobreza não são mais separados por muros invisíveis; são apenas pontos de vista. Futuro? Eles estão muito ocupados com o presente para vislumbrar lá na frente.

    Meu encontro com Boni (Brendon estava trabalhando em um desfile na Casa de Criadores) acontece num sobrado na Bela Vista, onde eles dividem o espaço com outros artistas e estilistas. Vestido com uma saia longa e uma camiseta de brechó do Pink Floyd, Boni fala sem parar, com o entusiasmo, a paixão e a segurança de um jovem de 22 anos.

    Com seus amigos, eles estão abrindo espaço para viverem fora do sistema dentro do sistema. Eles se chamam de “um deboche de carne, osso e tecido” e fazem rodas de beck para lançar suas coleções. Suas dores, paixões, histórias e experiências são as inspirações para todos os seus processos; seu site é um caos virtual em que tudo é colorido e pisca, e cada clique é uma experiência.

    A imagem que criam é tão forte que já ganhou matérias em sites como Dazed e Indie Mag. Conheça abaixo mais sobre o trabalho das Estileras e sua rebeldia com causa, na conversa sem filtros com Ricardo Boni.

    “As pessoas acham que estamos num trending de desconstrução e isso me preocupa porque estamos querendo falar justamente do cansaço da moda”. 

    Foto: Cortesia

    Foto: Pedro Ferreira e Enantios Dromos

    Como vocês se conheceram?

    Sempre fomos amigos do rolê da música. A gente se conheceu na Tormentor, festa de música eletrônica.

    E como surgiu a Estileras?

    Primeiro, a gente percebeu que a moda fazia sentido pra essa galera e reparamos que estávamos usando roupa rasgada, uma saia virava um top. Eu já trabalhava no Brechó Replay e perguntamos: porque não transformar nosso styling em alguma coisa? Nossa primeira coleção cápsula foi lançada há três anos e já tinha a Linn da Quebrada e a Jup do Bairro como modelos.

    E como funcionava? Porque era (e é ainda) tudo muito experimental.

    No começo das Estileras, nossos espaços de trabalho eram nossos quartos, e nossos projetos eram nossos looks para festas.

    Vocês pegam roupas, desconstroem e fazem outra coisa?

    Exato, tudo roupa já feita, de brechó ou de amigo.

    Upcycling?

    Exato.

    Como vocês trabalham?

    A gente passou a aceitar que temos habilidade pra fazer na hora. Fizemos a roupa do clipe da Linn (“coytada”), nos chamaram uma semana antes, chegamos lá e montamos tudo na hora. E começamos a transformar isso em método. Todos os nossos projetos são feitos em no máximo umas duas semanas.

    Mas pelo que vi, a roupa é apenas uma pequena parte do que a Estileras engloba, certo?

    Pra gente é muito mais interessante bolar uma performance que vai virar um video, uma festa ou outra coisa e aí no meio disso precisa ter roupa. Tentamos brincar com essa troca de significado. O profundo não tá na minha roupa, o profundo tá no que a roupa nem está comentando sobre ainda. As pessoas acham que estamos num trending de desconstrução e isso me preocupa porque estamos querendo falar justamente do cansaço da moda, sabe? Só que sempre dependemos da interpretação de todo mundo, né?

    Mas vocês se importam?

    Não. Mas isso reverbera nas empresas que vêm até a gente ou em como as empresas veem a gente.

    E quais marcas você gosta de usar?

    Eu olho pra marcas pequenas, como a Inserto, pra mim, é esse tipo de roupa que eu quero usar. Você vê que eles estão estudando e não apenas criando pro mercado. O ultimo desfile do Diego Gama, meu Deus! Fiquei muito emocionando, ele está falando de muitas coisas. Então, as pessoas acham que é moda, moda, moda, mas estamos buscando outros lugares. Só do básico da troca mercantil já não vale a pena pra gente. Estamos atrás de trocas que envolvem moda, mas não é só sobre isso.

    Você parece muito apaixonado e um dos pontos que chamam atenção é a liberdade que está em tudo. Em ser quem vocês são na essência, no fazer, no vestir. Algumas coisas só são possíveis quando de fato se é muito livre. Esse pensamento é geracional ou reflete apenas o seu grupo?

    Essa liberdade de pensar no processo fora do mercado ao mesmo tempo em que está no mercado… Se você pegar e jogar isso no mundo, acho que é geracional. A maior parte das pessoas que trabalha em marcas e empresas vem de ouras gerações e elas te devolvem um conteúdo muito “cartilhado”. Agora, o meu grupo é a galera da moda que gosta de música eletrônica tipo hard style, muito pesada, focada no terror. Aqui no Brasil foi esse grupo que começou esse movimento.

    Foto: Cortesia

    Performance de lançamento do websitio Estileras na mostra Vesícula / Cortesia

    É até um movimento de anarquia, de não usar o que o sistema inventou e criar suas próprias regras e códigos. Representa também um pulo em relação ao respeito ao próximo e a auto aceitação.

    Acho que estamos num lugar em que conseguimos entender a lógica por trás das coisas. É o entendimento da estrutura por trás que nos dá mais liberdade, que as pessoas ficam à vontade com a barriga de fora ou um menino se sente bem usando uma saia. Porque se você joga esse questionamento, há muitas maneiras para desafaze-los.

    Mas como vocês levam isso pro mundo fora do seu ateliê e das festas? Tem bullying, tem gente olhando?

    O tempo inteiro. É literalmente um foco de luz. A gente não consegue não ser reparado, até mesmo quando estou de shorts e camiseta larga. Esses dias eu até levei garrafada. O cara ficou me olhando, eu mostrei o dedo do meio, ele não gostou e jogou uma garrafa em mim. Mas e aí? Pensei, ‘aliás, se você quiser me atacar, eu tenho 50 cacos aqui. Você não está entendendo nada, só se impondo’. Mas eu já estou acostumado, comecei a usar saia no terceiro colegial.

    Onde você estudou?

    Em uma escolar particular em Mairiporã. Desde aquela época, é todo mundo olhando. As gays te olham, as famílias te olham, é o tempo inteiro. Mas isso também me leva a lugares de troca que eu não teria. Eu também adoro ser simpático e as pessoas não entendem como os estranhos podem ser simpáticos.

    Você se considera uma pessoa estranha?

    Aham. Sempre foi meu sonho ser estranho (risos). Desde a escola, me imaginei estranho. Eu sempre era o viadinho, sempre fui gordo e as pessoas me zoavam. Mas minha família sempre foi muito liberal, entendia meus processos e conversava comigo em vez de me podar.

    No final, as pessoas querem falar sobre elas e não sobre outras coisas. Então, acaba que elas não conseguem me atingir porque quando tentam falar, se quebram na lógica. Elas chegam no ponto final mais senso comum que há, mostrando que a gente não está no mesmo nível em vários sentidos.

    Como é conviver num mundo que não está na mesma sintonia que você?

    Não é que eu estou entendendo mais do que eles, é que em vários sentidos, nós estamos em níveis diferentes, níveis de compreensão mesmo, palavras que são entendidas de outro jeito. É muito mais pela comunicação do que pelo conhecimento. É um pouco de terror, um pouco de alegria, um pouco de vamos ver no que vai dar.


    Quem veste Estileras?

    Nossos amigos. E tem algumas pessoas pelo Brasil que copiam as roupas porque a gente tem essa coisa do faça você mesmo. Tem umas meninas de Fortaleza e Belém que fazem roupas seguindo o nosso modelo e nos tagueiam.

    E o que você acha disso?

    Incrível. Pra mim, essa é a economia do futuro. É claro que agora é economicamente implausível porque as pessoas estão copiando sua ideia, não estão comprando de você, nós não estamos gerando lucro, mas também é um pequeno passo pra se fazer a diferença. Essas meninas nem seguiam a gente antes e viram nosso trabalho pelo clipe da Linn. Elas não precisavam estar seguindo a gente há dois anos pra sacar, sabe? As pessoas estão entendendo que existe o copiar, mas que é importante creditar porque foi aquele crédito que te levou a isso.

     

    “Não queremos inventar a nova forma de se vestir em 2018, nem criar formas de produzir conteúdos imagético ou traçar uma nova maneira para relações empresariais. O que estamos estamos dizendo é que isso que nunca foi feito”.

     

    O que você pode apontar como elementos que fazem parte da estética da Estileras?

    A gente não usa inglês, só falamos em português. Também usamos letra minúscula e brincamos com as letras, trocando as por es, por exemplo: “es maquiadores” ou “bem vindes”. Ou os estilistas vira “as estilistas”.

    E em termos de imagem? Porque é fora do padrão que a moda conhece e aprendeu a chamar de bonito. As pessoas podem olhar pra vocês e achar estranho, feio, novo. Como vocês definem? 

    Não me cabe dizer. Pra mim é o contemporâneo. Tem quem ache que trash é lindo e tem gente que acha feio. Então estamos num lugar que é esse contemporâneo. Não queremos inventar a nova forma de se vestir em 2018, nem inventar formas de produzir conteúdos imagético ou traçar uma nova maneira para relações empresariais. Mas estamos dizendo que é isso que nunca fizeram. Ou se fizeram, tinham que ter o dinheiro pra validar, a passarela pra validar, tinha que ser do mundo da arte… E é por isso que é estranho, por isso que é feio.

    Campanha de Verão 2019 da Estileras / Cortesia

    Campanha de Verão 2019 da Estileras / Foto: Pedro Ferreira e Enantios Dromos

    E também não tem mais diferença entre feminino e masculino.

    No meu grupo não. Pra fazer uma roupa, eu penso em corpo, penso em tamanho, nunca em gênero. Sempre tivemos essa visão. Eu olhava para marcas “agêneras” e pensava: “bom, isso é roupa masculina com outro nome”. Nós já estivemos nesse lugar por causa de um trabalho com a Melissa, que foi vendido como sem gênero e aparecemos na Globo News como se fôssemos uma tendência de mercado.

    E o que você sente quando seu trabalho é rotulado como uma tendência de mercado?

    Não gosto, mas podemos salvar isso numa pasta, escrever num blog e deixar registrado como um erro que não é nosso. É o mercado agindo como mercado. E no final, as grandes empresas não valorizam o nosso trabalho, pagam mil reais por uma performance que vale 20 mil pra eu poder pagar o valor de todo mundo envolvido. Então, se me tratam assim, eu também trato eles de volta porque a nossa estética é feia ou estranha e o FFW tá aqui falando comigo, alguma coisa ela tem, algo está acontecendo. Então, a gente tem tanto poder quanto uma revista ou uma marca. Lógico que dá medo (de lutar contra os grandes, de falar realmente), mas valor é valor. Por que a sua visão de bonito é mais cara do que a do outro?

    Vocês já fizeram algum trabalho comercial?

    Sim, fizemos 12 fotos pra revista VTrends, da Vicunha, mas as coisas mais desconstruídas ficaram pra fora.

    O que, por exemplo?

    Brinco em homem. A partir daí foi que começaram a podar mais. Se o homem estava com muita saia, também não entrava. Eram essas coisas que não era homem nem mulher, era mais um monte de roupa, que eles não entenderam. Mas foi nossa primeira revista e nosso primeiro editorial com outros profissionais que não os nossos amigos.

    Foto para a revista VTrends Modelos: Natiele Alves e Lucas Antunes Beleza: Vedroso Acessórios: Gansho

    Foto para a revista VTrends
    Modelos: Natiele Alves e Lucas Antunes
    Beleza: Vedroso
    Acessórios: Gansho

    E o projeto com a 55SP na Cartel 011?

    Nós participamos de uma curadoria da SP55. Éramos os únicos millenniums do projeto e fizemos uma coleção pra vender lá.

    E vendeu?

    Estava à venda, mas ninguém comprou.

    Quanto custava?

    Lá as roupas eram vendidas no preço Cartel, então uma roupa de brechó que paguei R$ 10, custava R$ 600. É isso mesmo. Ninguém comprou, as pessoas mal tocavam. Trouxemos pro ateliê e fizemos um saldão a R$ 40, R$ 60, R$ 100 no máximo por peça. E pra gente, é essa brincadeira de linguagem que faz a diferença. É a gente falar que enquanto estivermos num lugar rico, nós vamos fazer valor de rico.

    No final, estávamos entregando demanda: eles pediram roupas e nós entregamos roupas. Então pedimos para fazer uma performance no dia do lançamento e colocamos todas as roupas penduradas para pegarem e usarem como quisessem. A pessoa vestia a camiseta como saia, a gente fotografava, imprimia, colava num papelão e montava um manual de como vestir aquela peça. E pra mim, foi essa conexão de criar a performance, fazer as fotos, o manual… foi isso que gerou uma imagem, é o nosso processo anterior que molda as fotos, é a aleatoriedade dessa combinação que vai gerar uma coisa legal. E é isso que eu acho que as pessoas não estão conseguindo escutar da gente: de que estamos produzindo roupa, é desconstruído, é legal usar camiseta de saia, mas no fundo é sobre como manusear todo esse espaço de mídia para criar uma expressão de coisas. Queremos usar mil mídias para contar uma ideia.

     

    “O mundo sempre bebeu de todos os lugares. A moda é cíclica, a guerra é cíclica, a economia é cíclica. Então se o ciclo já se completou, eu posso olhar de fora e pegar o que eu quiser dele”.

     

    Vocês fizeram faculdade?

    A Brendon não, é autodidata. Eu fiz uns anos de Comunicação e Multimeios e Artes do Corpo com foco em performance na PUC. Quando eu saí, comecei a trabalhar com o Brechó Replay e ver que as pessoas têm seus próprios estudos sobre certas coisas, que a gente não precisa só dar referência para elas copiarem. Foi a partir disso, de perceber que as pessoas se sentem um lixo porque são motivo de chacota por causa da roupa, que eu comecei a entender e aplicar no meu trabalho. Não é sobre botar um ponto final, é sobre a fluidez, a importância dessa fluidez. O mundo sempre bebeu de todos os lugares. A moda é cíclica, a guerra é cíclica, a economia é cíclica. Então se o ciclo já se completou, eu posso olhar de fora e pegar o que eu quiser dele.

    Vocês pensam no futuro da Estileras? Como seria essa evolução?

    Não faço questão que minha empresa seja grande, mas que ela dê conta das nossas ideias, porque no momento ela não está dando. A gente consegue fazer um projeto – quero crescer para que consigamos fazer três projetos ao mesmo tempo ou pra gente conseguir pagar as pessoas.

    Onde vocês se encontram agora?

    Estamos num ponto e vírgula onde talvez tenha um pós, que é onde muita gente do mercado autônomo vive: “tão me barrando, tão me barrando, mas talvez tenha alguma coisa”. A gente é um deboche. Tem que ser um deboche mesmo porque quando falamos, eles não aceitam, quando a gente usa os mesmos termos, eles não aceitam, então somos um deboche.

    Como é a questão de vocês estarem no mercado, mas com uma postura disruptiva?

    Hoje nós damos e emprestamos mais roupas que vendemos. Nunca tivemos uma transição de dinheiro mesmo, então nunca tivemos essa coisa de boleto, envio, nunca conseguimos fechar uma venda realmente. A única vez foi um sapato que um amigo fez pra gente e veio uma menina, experimentou e comprou por R$ 100.

    Qual o seu sonho enquanto Estileras?

    Não tenho. Tem tanta coisa acontecendo no momento que fica difícil vislumbrar. Eu já estou vivendo o meu sonho, que é a oportunidade de ter um espaço fisico, de trocar com as pessoas, de ter a Brendon que tem um conhecimento estético único. A gente já está nesse lugar, de conseguir fazer. Gastamos com nosso espaço, alimentação e transporte. O rombo do caixa é a nossa vida, não o nosso trabalho.

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