Estamos andando em um território desconhecido em que o caminho de incertezas está afetando a todos, negócios grandes e pequenos, todas as profissões e a população mais vulnerável. Muitos estão literalmente na luta para sobreviver. Como comunicar moda nesse momento sensível em que não parece ético estimular o consumo ao mesmo tempo em que essa é uma das indústrias mais afetadas? As empresas afetadas pelo coronavírus enfrentam um tipo diferente de tristeza: a angústia de um desastre inesperado quando tudo parecia ir bem (ou estava no caminho), mesmo com o crescimento vagaroso do Brasil.
As marcas de moda estão contando com suas agências de PR para definir os próximos passos e entender que ferramentas podem ser usadas para conseguir passar por esse momento – e chegar vivo do outro lado. “O momento é de colaboração em todos os sentidos”, diz Taciana Veloso, sócia da Index, que atende empresas como Grupo Arezzo e shopping Iguatemi SP, e marcas como Patbo e Simple Organic.
“Além de ter que ajustar suas rotas em relação a planos de lançamentos, eventos e convenções, as marcas passaram a buscar um novo eixo narrativo porque tudo mudou de repente. É necessário ter uma relevância real, fazer a diferença na vida das pessoas e tentar espalhar uma mensagem de empatia em meio a tudo que está rolando”, diz Leandro Matulja, sócio da agência Lema, que atende clientes como Havaianas, Asics e Levi’s. “Ninguém tem nada de concreto e estamos justamente criando neste momento, pensando em possibilidades, dando ideias, vendo o que é viável”.
Para Tania Otranto, sócia da MKTMix, o momento não é para grandes estratégias “e sim de fomentar pequenos grandes atos, tanto internos como externos. Temos procurado auxiliar os nossos clientes a tomarem atitudes que de alguma forma façam a diferença, seja um conteúdo relevante no contexto atual ou uma ação solidária”.
É o que tem feito a estilista e empresária Patricia Bonaldi, que com suas lojas fechadas, transformou o Instagram em sua principal vitrine e o ambiente para abordar conteúdos com mais leveza. “Desde que a pandemia explodiu, foi preciso rever todo o planejamento do digital, nossa linguagem tornou-se mais lúdica, com fotos e vídeos que nos remetem a paisagens inspiradoras e poéticas”, diz Bonaldi.
Reinvenção do varejo
Foco na loja online, venda pelo Instagram, fretes gratuitos e um atendimento personalizado e cuidadoso pelo WhatsApp são as medidas aderidas por todos e no meio de tudo isso há uma incerteza e uma certeza que todos com quem temos conversado compartilham. É impossível prever o prejuízo e manter um planejamento quando as notícias mudam a cada dia. Mas todos percebem uma mudança profunda de estrutura que veio para ficar. “Acreditamos que esse é um momento marco no varejo, que terá que se transformar e se reinventar”, diz Patricia Lima, fundadora da marca de cosméticos Simple Organic, que tem 23 lojas espalhadas pelo país. “Vivemos um momento de grande reflexão sobre algo que já estamos falando desde o começo, como ter um ritmo de vida e de consumo mais conscientes. Mas geralmente as crises não são anunciadas, então é preciso se adaptar de uma hora para a outra”.
Parte dessa adaptação inclui uma revisão financeira em prol de manter sua cadeia funcionando. “Estamos considerando o emprego das pessoas, a saúde da equipe. Estamos incentivando, subsidiando em produtos e abrindo mão do lucro, fazendo o máximo, considerando a retirada de marketing e royalties para o próximo mês, que é a maneira que temos de ajudar, mesmo sendo uma marca pequena”.
Patricia Bonaldi está trabalhando diariamente em busca de soluções para que consigam ser cada vez mais assertivos no posicionamento como um todo. “É um momento desafiador, porém que tem nos mostrado que nunca foi tão importante ter bons profissionais ao lado. Há um sentimento de um time muito fortalecido e unido”, conta. “Mesmo com todas as dificuldades, está sendo um período em que percebemos novas formas de posicionamento e estratégias, que serão sem dúvidas muito ricas no futuro”.
Mudanças de rota
A marca masculina Oriba estava em curva de crescimento quando a crise do coronavirus explodiu, com plano de abrir duas lojas nos próximos três meses. No momento é impossível prever o prejuízo sem saber ao certo o tempo que as lojas ficarão fechadas ou se os correios entregarão os pedidos online com aumento de demanda. O sócio Paulinho Moreira está atento não apenas ao seu negócio, mas também sensibilizado de uma maneira geral, criando conteúdos “para que as pessoas mantenham-se saudáveis de corpo e mente nesse período de isolamento. Falamos desde dicas de como trabalhar em casa, filmes e livros sobre sustentabilidade, até uma festa virtual que estamos fazendo chamada Sextou em Casa para levantar sofá e celebrar a vida com música”, diz.
Outra marca pequena que estava em uma curva ascendente é a À La Garçonne. Pega de surpresa, deu férias antecipadas a todos os funcionários, menos dois que trabalham no despacho de peças vendidas virtualmente (durante duas horas, dia sim, dia não). No momento, está comunicando a liquidação das coleções de 2019, algo que já estava programado. “Estamos fazendo de tudo para manter o mesmo quadro de funcionários, mas se você parar de produzir e de faturar, complica muito para uma marca do tamanho da ÀLG e da À La Garçonne”, diz Alexandre Herchcovitch. “As coisas estão mudando todo dia, mas a gente precisa das vendas online para se manter em pé. Somos uma marca pequena e que não tem caixa para segurar por muito tempo sem nenhum faturamento”. A marca tinha desfile marcado para o dia 14 de março e precisou cancelar a entrada do público, fazendo o desfile de portas fechadas e com redução de casting e equipe.
É fato que as marcas precisam agora buscar soluções criativas e eficientes em relação a custos e estrutura. “Essa nova forma de atender a comunidade local de portas fechadas, se aproximar de uma maneira muito mais eficaz entre o físico e o digital, atender as pessoas que estão em casa querendo fazer uma rotina de skincare, por exemplo, nos traz uma percepção de que o modelo de negócios vai passar por essa adaptação”, diz Patricia Lima, da Simple Organic.
Ela criou um sistema de vendas digital que irá funcionar por meio de comissionamento, dando oportunidades para pessoas que já conhecem a marca. “Os interessados irão receber um link que será direcionado para o e-commerce da Simple Organic e com ele poderão indicar para o público. Cada venda feita irá resultar em 10% de comissionamento e o consumidor que comprar por esse link terá 10% de desconto. O objetivo é trazer uma inovação para o segmento de clean/ indie Beauty, além de apoiar os brasileiros nesse momento de crise”.
Flavia Aranha, pioneira em moda sustentável, fez um post em seu perfil no Instagram em que compartilha suas preocupações e pede apoio. A transparência e a delicadeza da mensagem fizeram com que as pessoas respondessem 100% de forma positiva.
Apesar das dificuldades, o importante é conseguir manter sua atividade em produção, seja para manutenção de seus negócios, das famílias que eles sustentam e para sua sanidade mental também. É fácil ser engolido pelas preocupações e pelo medo do que vem pela frente. Fazer menos, com menos, mas fazer melhor, com as mensagens que importam agora.