Exploração ou libertação?
Os desfiles da Saint Laurent e Chloé evidenciam a diferença entre o design feminino criado por homens e mulheres.
Exploração ou libertação?
Os desfiles da Saint Laurent e Chloé evidenciam a diferença entre o design feminino criado por homens e mulheres.
Recentemente os desfiles da Saint Laurent e Chloé polarizaram o público da moda por evidenciarem a diferença entre o design feminino criado por homens e mulheres.
O ponto central da discussão é como o corpo feminino é revelado através de transparências, comprimentos e recortes nas roupas.
De um lado, a Saint Laurent recebeu críticas duras por apresentar uma coleção que erotiza a mulher com uma série de looks transparentes e ultra colados, exibindo o corpo (em especial os seios) de uma forma glamourosa à la anos 1920, porém irrealista.
“O que quer que fosse, era colante e transparente. Dos 48 looks balançando em saltos agulha no desfile de Saint Laurent, apenas 12 não tinham seios em destaque (e desses 12, três eram minivestidos com cintas-ligas)”, escreveu Vanessa Friedman no New York Times.
Do outro, temos a Chloé e sua nova diretora criativa, a alemã Chemena Kamali, que estreou nesta temporada com uma coleção que acordou a maison francesa, adormecida desde que Phoebe Philo saiu, em 2006, trazendo de volta o espírito original da mulher Chloé – aguarde um boho core forte no horizonte.
Também há transparências no desfile da Chloé que revelam o peito por baixo de blusas e vestidos delicados, mas aqui parece ter outra conotação. A roupa está a serviço da mulher e não o contrário. É uma escolha colocar uma camisa ou um vestido solto sem sutiã, que parece partir de um pensamento de liberdade e expressão que ganhou forca nos anos 1970 com o movimento hippie.
A visão de Vaccarello pode ter um efeito estético na passarela, mas é muito distante da realidade e ainda mais afastada da vivência real enquanto mulher. Me parece uma coleção alienada e que não considera a mulher em nenhum momento. É a moda pela moda, o glamour a qualquer custo, onde a mulher é retratada como uma musa e não como uma pessoa. Mas estamos em 2024 e a evocação da musa hoje também ganhou outros contornos.
Esses momentos são oportunidades de analisar criticamente a forma como o homem influencia o design das peças destinadas às mulheres, questionando se nossas verdadeiras necessidades e desejos estão sendo considerados.
A imposição de padrões de beleza inatingíveis é uma característica marcante da imagem feminina na moda, passando pela representação limitada de tipos de corpo que contribui para uma visão distorcida da autoimagem. E a influência masculina colabora para a perpetuação desses padrões que excluem as mulheres que não se encaixam nos estereótipos preestabelecidos.
A moda é uma ferramenta poderosa na construção da identidade. A influência masculina nesse processo levanta questões sobre quem detém o poder de narrar e definir as experiências femininas. O terreno dos sonhos e desejos é uma ferramenta importante na criação de moda, mas é preciso caminhar junto com os tempos, reconhecendo as verdadeiras necessidades do público para o qual você está criando. Na moda, sintonia é uma palavra chave.
Como bem disse Friedman, “transgressão exige mais nuances do que um seio quase nu”.
No desfile da Saint Laurent, a nudez parece uma exposição forçada enquanto Chloé, uma escolha. Há sim espaço para a musa do ponto de vista masculino, mas se depender do que vimos na SL, hoje ele cabe muito mais nas paredes de um museu do que numa passarela.