Por *Larissa Roviezzo, colaboração para o FFW
Em tempos de “eco termos” e alterações climáticas, entender o papel e o impacto que o trabalho dos designers tem na sociedade é necessário e indispensável não apenas em um contexto de futuro profissional que inevitavelmente sofrerá com as consequências, mas também com um amplo olhar sobre uma realidade que se aproxima, em que no papel de cidadãos no mundo que habitamos, exercemos funções dentro da sociedade.
O mundo caminha a passos largos buscando soluções para os problemas globais que não pertencem a “este ou àquele país”, problemas sem fronteiras que desafiam nossa capacidade e habilidade de rever e repensar nossos processos e valores.
A responsabilidade profissional talvez seja mais fácil de mensurar quando nos referimos a profissionais como médicos e engenheiros, funções que por sua tradição possuem respostas e soluções para necessidades básicas da sobrevivência humana. E seguindo esse raciocínio, abrem-se espaços para refletirmos até onde os designers são conscientes da influência direta que suas decisões têm sobre o usuário, o produto e o meio em que habitamos.
Designers são conhecidos na história como revolucionários, influenciadores e criadores de soluções para a moda a partir das necessidades de um tempo e das influências históricas, como períodos de guerra e restrições culturais. A realidade atual, consequente ao modernismo, e a revolução industrial caracterizada pelo conforto e rapidez de produtos, esconde uma indústria despreparada para lidar com seus próprios impactos e refém do sistema de massificação. Um sistema que desvalorizou não só o valor do trabalho humano, mas também o valor físico gasto no produto: o tempo, a mão-de-obra, a matéria, a água, a energia… O século XX talvez tenha bagunçado nossos valores, nos dando a segurança da pluralidade de uma oferta baseada em abundância de recursos e esforços.
O “fast-fashion” já foi palco de grandes catástrofes (como o Rana Plaza, em Dhaka, e os escândalos das sweatshops). São eventos impactantes que requerem uma revisão de valores da nossa indústria e nos mostram que nem sempre pagar menos na produção é a melhor decisão quando pensamos nas consequências. O que é, talvez, uma realidade muito difícil de visualizar quando ela está em outro continente, a milhares de quilômetros longe dos nossos olhos.
A moda subestimada pela sociedade e banalizada pela expressão “tá na moda” ofusca o grande valor e potencial que os designers têm dentro da sua função. O processo do designer vai além, ou poderia ir, do processo de criação baseado em pesquisa de tendências e/ou lucro.
O designer do futuro entenderá que metade do impacto de seu produto é projetado na hora do desenvolvimento, levando em consideração o design, os materiais, os processos e as empresas que escolhemos. Seremos condutores dessa mudança e nossos requerimentos por melhores materiais e processos mais limpos resultarão em transformações na indústria.
Desenvolveremos coleções a partir de tecidos orgânicos ou fabricados com reciclagem de matéria-prima, optaremos por processos com baixo uso de químicos e corantes que não agridem o meio ambiente, desenvolveremos produtos que serão biodegradáveis ou reciclados ao final do uso, aprenderemos a reutilizar sobras de tecidos de outras coleções, trabalharemos com fornecedores que têm o processo de reciclagem de água na produção e não usam pesticidas ou GMO no cultivo das fibras, trabalharemos com fábricas e fornecedores que asseguram a segurança e a ética de seus trabalhadores… A lista é extensa e só está começando.
O conceito de sustentabilidade será levado a sério pelas empresas, que no futuro próximo, sofrerão a pressão dos consumidores e de governos para agir e se responsabilizar pelos seus impactos, o que já vem acontecendo em outros países, não apenas no setor têxtil. Como por exemplo na Europa, onde a partir de 2017 muitas empresas de diversos setores terão de informar anualmente sobre o seu desempenho no que se refere ao meio ambiente, à sociedade, aos trabalhadores e aos direitos humanos.
Empresas como Nike, H&M e Zara já possuem Departamento de Sustentabilidade, em que profissionais desenvolvem estratégias de desenvolvimento de produto e tecnologia têxtil, normas e regulamentação para químicos e fabricantes, e também planos de marketing e negócios.
Conceitos comuns em outras atividade serão introduzidos em nossa indústria e termos como cradle to cradle, open source, co-design, tecnologia 3d, materiais inteligentes, positivo design e circular design serão nossas novas ferramentas de trabalho. Um exemplo é o The Post Couture Collection, projeto open source que viabiliza roupas feitas a partir da demanda ou do arquivo da roupa para que voce faça sozinho. Há também a OAT, que desde 2011 faz tênis biodegradáveis que você pode plantar ao final do uso e… flores nascerão de sementes escondidas na língua dos calçados. Enquanto isso, seus OATs velhos vão se decompondo e se misturando a terra. A marca nasceu da ideia de que tudo o que termina pode carregar as sementes de um novo começo.
Mas, além disso, teremos a tecnologia como parceira dessa nova realidade nos capacitando e possibilitando troca e compartilhamento de informações que visam um mesmo objetivo. Projetos coletivos, cooperativos e parcerias em diferentes segmentos ganharão mais força e visibilidade. Resgataremos também a beleza e o valor dos profissionais do artesanato e das técnicas manuais que, sem dúvidas, conquistarão ainda mais o interesse dos consumidores e do mercado, e com certeza, prometem interagir com as novas ferramentas tecnológicas.
A moda nos permite entender a história da evolução humana durante os séculos e as influências que têm na sociedade em que vivemos. É uma ferramenta capaz de refletir o sentimento de um determinado tempo e momento. Por isso, esperamos que o conceito ético não seja apenas mais um produto ou uma estratégia de fundo social e moral do nosso sistema capitalista, e sim, o reflexo e o despertar de uma consciência que já existe, mas precisa ser acordada.
O futuro do design será altruísta, compreendendo que mudanças acontecem com pequenas atitudes hoje, começando com o que está ao nosso alcance.
* Larissa Roviezzo é brasileira e vive em Berlim, onde faz um Master e Sustainable Fashion na Esmod Berlin, uma das instituições pioneiras nessa abordagem. Follow: @lariroviezzo @forbetterfashion