Por Larissa Roviezzo, em Copenhagen
Na última semana a indústria da moda se reuniu novamente no Copenhagen Fashion Summit (CFS), a conferência anual que discute sustentabilidade e que esse ano celebrou 10 anos com a participação de líderes da moda como François-Henri Pinault, CEO do Grupo Kering; Roberto Canevari, Diretor de Cadeia de Suprimentos da Burberry; e Anna Gedda, Chefe de Sustentabilidade do Grupo H&M. Também participaram representantes de diferentes organizações, como Paul Polman, Presidente da Câmara de Comércio Internacional, Brune Poirson, Secretária de Estado do Ministério da Transição Ecológica e Inclusiva da França; e Dr. Martin Frick, Diretor de Políticas e Coordenação de Programas da ONU sobre Mudanças Climáticas.
O FFW esteve presente no evento e relata abaixo os highlights da programação:
Dia 1
No primeiro dia de conferência, participantes de mais de 40 países assistiram a fundadora do CFS, Eva Kruse, relembrando a trajetória e o desenvolvimento do tópico que avançou muito além do termo “eco fashion”, e hoje possui um entendimento mais complexo e assertivo. Eva destacou também que, embora nesses últimos anos o evento tenha trazido representantes de marcas importantes e fabricantes mundiais para discutir e colaborar, e desenvolvido um plano de ação que promove o progresso e a aplicabilidade de medidas, ainda há muito o que fazer: “Estamos destruindo os limites naturais do planeta e ainda há problemas a se resolver quando se trata de direitos humanos”.
Eva também iniciou um dos tópicos que vimos em diferentes momentos da conferência e que particularmente acredito ser essencial no progresso do tema: designers precisam ser inseridos no processo consciente de como desenvolver um produto com baixo impacto e tomar conhecimento de como, por exemplo, optar por materiais e acabamentos mais limpos. As decisões tomadas na fase de desenvolvimento do produto são responsáveis por até 90% do impacto ambiental (Close The Loop). No final das contas, nossa indústria é feita de produtos, e é neles que as mudanças precisam ocorrer.
Em seguida, o discurso da Princesa Mary da Dinamarca ressaltou a previsão do aumento do consumo global em relação ao crescimento da população mundial e introduziu a necessidade de uma mudança estrutural financeira: “devemos ser mais inteligentes, mais verdes, circulares, visionários e éticos em nosso pensamento, abordagem e em nossas soluções. O lucro não pode continuar a ser a principal medida de sucesso. A transformação sustentável deve ser um imperativo comercial e uma prioridade central”. A princesa questionou também o consumo consciente e o papel do consumidor na transição de um futuro sustentável. “Estamos vendo uma crescente mudança em ideologias como ‘menos é mais’, second hand, vintage, guarda roupa compartilhado, trocas… Mas por que ainda não vemos mudanças na moda convencional? Porque o consumo da moda é irracional, dirigido por emoções, prazer e inspiração”. Portanto, não é possível esperar que o consumidor, de uma maneira geral, entenda a complexidade da sustentabilidade e demande produtos éticos para então agirmos. Assim, empresas têm a oportunidade – e a responsabilidade – de ajudar consumidores a escolher o certo.
“O LUCRO NÃO PODE CONTINUAR A SER A PRINCIPAL MEDIDA DE SUCESSO”
Na sequência, a conversa “Inovando a Indústria da Moda” trouxe François-Henri Pinault, CEO do grupo Kering, e Valerie Keller, co-fundadora do Imagine e uma das vozes mais atuantes quando o assunto é inovação e transformação pelo propósito. Eles discutiram a necessidade de convidar instituições financeiras para debater o tópico e a viabilização de medidas e investimento nesse âmbito. François também frisou a necessidade de cooperação entre o setor privado, mas destacou a realidade de que esse setor não está acostumado a trabalhar junto por um mesmo objetivo. O CEO da Kering também revelou o investimento em inovação em materiais com mais de 3000 matéria-primas cadastrada no Material Innovation Lab, escritório do grupo em Milão. E concluiu dizendo que o grupo quer reduzir 40% do seu impacto ambiental, mas que até então só possui a solução para 20%, e que por esse motivo o Corporativo da Kering tem receio de se comprometer: “Eu venho tentando convencê-los: não seja tímido, comprometa-se! Podemos não alcançar as metas, mas tornando-as pública estamos nos esforçando para chegar lá”.
Oui, Francois-Henri Pinault – Let’s ‘create a movement of activist companies.’ Rolling up sleeves for CEO Fashion Pact with @KeringGroup Francois-Henri & Imagine co-founder @PaulPolman starting with @G7 @oneplanetsummit led by President @EmmanuelMacron and Minister @brunepoirson pic.twitter.com/GxjajiOuPn
— Valerie Keller (@Valerie_Keller_) May 20, 2019
Outra discussão que merece ser abordada e que trouxe visões além da realidade da moda, foi a conversa Courageous Fashion – The Need for Radical Change entre o empresário holandês Paul Polman, ex-CEO da Unilever e membro dos conselhos da UN Global Compact, World Business Council for Sustainable Development e Consumer Goods Forum; e Brune Poirson, a Secretária de Estado do Ministério da Transição Ecológica e Inclusiva da França.
Iniciando com a alegação de que, apesar de nos últimos anos menos pessoas se encontrem em situação de pobreza e possuem mais acesso à educação, ainda sim vivemos em um sistema onde o crescimento depende do consumo excessivo. E este consumo é autor dos últimos 40 anos de degradação ambiental e perda da diversidade de espécies em ritmo alarmante.
“A MÃE NATUREZA VAI SOBREVIVER À SUA MANEIRA, NÓS NÃO”
Paul também declarou que se não mudarmos a medida que chamamos de sucesso, não vamos conseguir. “Nós não precisamos de mais tecnologias, nós não precisamos de mais isso ou aquilo…. Estamos com falta de vontade, nós temos as respostas. O que nos falta são líderes que entendam essa necessidade. A mãe natureza vai sobreviver à sua maneira, nós não”. Brune disse que a França está focada em ações e regulamentação alinhadas com a agenda sustentável. “As pessoas querem que as empresa e os governos façam o máximo, parece óbvio, mas ninguém o faz”. Por isso, consistência, transparência e prestação de contas são a chave para essa mudanças. Como Brune disse, “desperdiçar e descartar (destruir produtos não vendidos) não é mais possível”.
Dia 2
Na discussão “Economia Circular na Moda: do Compromisso à Ação”, profissionais da indústria discutiram a necessidade de colaboração em diferentes segmentos. Integraram esse painel o Chefe da Cadeia de Suprimentos da Burberry, Roberto Canevari; Emmanuelle Maire, Chefe de Unidade, Produção Sustentável, Produtos e Consumo da Comissão Europeia; e Robert van de Kerkhof, Diretor Comercial, da Lenzing.
Entre os pontos abordados, surgiram tópicos como a urgência de incentivo do setor público, a revisão de legislações atuais que classificam o uso de resíduo e medidas que facilitam o uso desse material como matéria-prima, e a necessidade de educar o consumidor que também faz parte do círculo através do retorno dos produtos. Um dos pontos levantado na conversa foi a falta de transparência na atual indústria quando se trata do uso de química em tingimento e acabamento. Para que os avanços na reciclagem de fibras aconteça com sucesso, é necessário o conhecimento exato das substâncias e composições, o que surpreendentemente não é tão simples como parece.
Na conversa “O Fim da Propriedade” líderes de startups e Ryan Gellert, Gerente Geral da marca Patagonia abordaram a oportunidade no mercado de second hand e compartilhamento. Michael Wang, Co-fundador do YCloset, a empresa de aluguel de roupas que recebeu investimento do Grupo Alibaba, revelou que 30% da sua renda vem de vendas e que seus consumidores usam sua plataformas para experimentar seus produtos, e então comprar. Para ele, essa inovação no varejo vai muito em breve ultrapassar o mercado do fast fashion. Gellert relatou o sucesso no serviço de reparo e revender que a Patagônia oferece, afirmando que seus produtos são desenvolvidos para longa duração já com a reparabilidade em mente.
Para finalizar o bate papo “Salários: o que as marcas de moda devem fazer?” trouxe lado a lado Helena Helmersso, do Grupo H&M, e Nazma Akter, presidente da Sommilito Garments Sramik Federation (SGSF), uma das maiores federações sindicais de Bangladesh, que criticou a falta de valorização do trabalho humano e expôs as dificuldades encontradas na realidade desses trabalhadores ainda hoje. “Não é apenas salário baixo, são longas horas de trabalho, falta de direitos e diferença de tratamento por gêneros”. Nazma também enfatizou que o salário está relacionado com a produtividade do trabalhador e que aos 40 anos esses trabalhadores deixam de ser produtivos e são substituídos.
Youth Fashion Summit
O Youth Fashion Summit, o programa educacional de sustentabilidade que acontece na semana do evento e reúne estudantes do mundo todo na discussão de medidas sustentáveis, discutiu esse ano o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5: Igualdade de Gênero. No palco da conferência, os estudantes apresentaram suas ideias e demandas considerando diferentes partes da cadeia têxtil. Igualdade de oportunidades e salarial, o combate ao assédio sexual no trabalho, condições que assegurem e facilitam a volta ao trabalho após licença maternidade.
A cada dois anos eles trabalham com um parceiro da indústria que patrocina o projeto – nas edições de 2018 e 2019 foi a joalheria Pandora a marca estudada. Os estudantes dividem-se em times, cada um deles voltado a uma parte da cadeia e todos trabalhando no mesmo ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável).
O evento encerrou com uma conversa entre Tim Blanks e a estilista e ativista Katharine Hamnett, pioneira no ativismo social e ambiental na moda, que desde os anos 80 lança camisetas com slogans provocadores e questionadores, da crise da Aids ao Brexit.
“You can’t be lazy about this. The future life on Earth is at stake.” -The famous whistleblower on the environmental and social impact of the clothing and textile industry, Katharine Hamnett of @khamnettlondon yesterday at #CPHFS19. #nomorefashionvictims pic.twitter.com/E0nVZpyvxZ
— Copenhagen Fashion Summit (@CphFashSummit) May 17, 2019
Conclusão
Neste ano, uma das principais tendências apontada no evento foi a importância de desenvolver a discussão em direção ao papel da intervenção política na moda sustentável e a necessidade de representantes da indústria colaborarem para um mesmo objetivo. O incentivo público e a regulamentação de medidas que facilitam e impulsionam a prática sustentável se mostrou extremamente necessário para o progresso e a aplicabilidade do tópico.
Além disso, o evento chamou atenção para a necessidade de educar designers e consumidores, e reforçou a idéia de colaboração no setor privado. Não se pode negar que, em uma década de discussão, o assunto se desenvolveu além da visão simplista que um dia representou e hoje é sinônimo de relevância, ação e responsabilidade no mercado global.
Fica um convite para que designers, marcas e empresas que compõem também a indústria brasileira de moda pensem sobre esses tópicos, repensem seu processos e busquem uma união por um objetivo em comum e que será benéfico a todos.