Ao fim da temporada de desfiles é momento de parar, refletir e analisar o todo para tecer conclusões. Especialmente quando a temporada em questão é uma das primeiras em que o modelo de desfiles digitais se mostrou mais amadurecido e a indústria como um todo busca uma recuperação econômica para o segundo semestre, após fechar o ano de 2020 com grandes retrações.
Até outubro do ano passado, o varejo de moda no mundo acumulou uma queda no faturamento de 30% (Sourcing Journal). O relatório State of Fashion projetava uma queda brutal de 93%, nos lucros da indústria da moda, de 2019 para 2020, devido à pandemia, isolamento social e diminuição do consumo.
A pandemia só piorou e não sabemos quando vai acabar (apesar das vacinas): hoje em dia, é menos sobre esperar e mais sobre lidar. Para as marcas de moda, isso quer dizer traçar estratégias para criar desejo por novos produtos e continuar vendendo, mesmo que as ocasiões de uso estejam mais escassas.
A solução? Os monogramas
o monograma da goyard, um dos mais antigos entre as marcas de luxo
Nesse contexto, algo que tem chamado a atenção nas duas últimas temporadas de desfiles e apresentações digitais, foi a forte presença das padronagens monogramadas. Monogramas são combinações de letras (geralmente logos) ou elementos gráficos para a criação de uma padronagem que pode ter o poder de se tornar uma referência imediatamente reconhecida e capaz de criar uma conexão emocional entre marca e público. Quem não reconhece logo de cara o monograma da Louis Vuitton de elementos gráficos e o clássico ‘LV’ sobreposto sobre fundo marrom que estampa dezenas de acessórios e bolsas da marca?
A Versace dedicou seu mais recente desfile para toda uma coleção monogramada, ao passo que outras marcas, como a Loewe e Balmain, resgataram suas padronagens de arquivo. Todo mundo quer ter um monograma para chamar de seu. De Dior, Gucci, Givenchy à Fendi, um dos monogramas mais conhecidos da indústria do luxo.
Um pouco de história
Os primeiros monogramas na moda surgiram com a Goyard, que lançou o Chevron em 1892, e com a Louis Vuitton em 1896 que tem não apenas um mas dois monogramas para chamar de seu: o Canvas e o xadrez Damier. Ambas são, até os dias de hoje, os responsáveis pelo maior número de vendas da marca. Tendência e ítens-desejo vêm e vão, mas as produtos monogramados continuam nas prateleiras e parecem estar longe de perder seu apelo, mesmo que suas marcas fiquem longe dos holofotes por algum tempo.
Símbolos sociais
kim kardashian com total look monogramado balmain. reprodução: Instagram
Mas porque eles fazem tanto sucesso? Primeiramente, produtos com monogramas são conhecidos como “itens de entrada”, ou seja, aquela primeira peça que compraremos de uma grife, quando podemos realizar esse investimento.
De acordo com Carlos Ferreirinha, fundador da consultoria MCF especializada em gestão de luxo, o logo representa um símbolo social, a possibilidade de demonstrar ascensão social. “Todos somos atraídos por marcas e logos e essa atração vai mudando e se ajustando ao momento que estamos na vida. E não é apenas na moda. É na escolha da escola, da universidade, do carro, do refrigerante… Marcas e logos expressam símbolos e, quando bem construídos e posicionados, dialogam com os clientes, com os seus corações”, diz Ferreirinha ao FFW.
Ítens são estampados de fora a fora com o logo da grife ou uma padronagem extremamente reconhecível porque, bom, se você só pode comprar um único item de luxo, você (supostamente) vai querer que todo mundo saiba de onde ele é.
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“Ter produtos com logo para muitos é a ‘porta de entrada’ no mundo do luxo, de demonstração da ascenção social” Carlos Ferreirinha
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Outra perspectiva para o duradouro sucesso dos monogramas vem de um aspecto mercadológico. Esses itens são bate-caixa para marcas de luxo. Por mais que sejam pouco criativos e, inclusive, muito similares entre si, funcionam comercialmente e trazem alguma segurança especialmente em tempos de crise. “Ele não chega a ser uma saída para garantir vendas, mas sim uma ferramenta a mais de vendas que, sim, ajuda de forma considerável”, diz Ferreirinha. “Logos são expressões vivas das marcas e, quando bem construídos e posicionados, aceleram o índice de desejabilidade que impacta nas vendas”.
o novo monograma greca estampando peças da versace do inverno 21. fotos: cortesia
Não é coincidência que a Versace tenha lançado sua coleção monogramada logo após sua aquisição pela holding Capri (dono também da Michael Kors), um grupo que se destaca por sua expertise comercial. Segundo John Idol, CEO do grupo, a marca italiana ainda precisava de uma base sólida ítens para reforçar seu “portfólio de produtos icônicos e reconhecíveis”. E para ele, o novo monograma “vai melhorar drasticamente a lucratividade da Versace”, observando que esses ativos críticos de identificação são algo que a Versace tem esquecido em comparação com outras marcas de luxo, como Louis Vuitton, Gucci, Chanel e Prada.
Assim fica fácil compreender porque tantas marcas continuam investindo na criação e promoção de mais coleções monogramadas até e, principalmente, hoje. “As histórias não são as mesmas para todas as marcas, mas o poder do monograma sim, esse funciona para todas”, diz Ferreirinha.