Esta é a décima temporada de moda em que trabalho e, como repórter, acabo passando mais tempo nos backstages do que nas salas de desfile. Mas uma apresentação que tento sempre dar um jeitinho e ver de perto é a de Ronaldo Fraga. Os motivos são diversos: primeiro, porque eu também sou mineira e gosto de valorizar tudo que vem de lá, ainda mais depois de tanto tempo morando em São Paulo. Segundo, porque adoro o trabalho dele e tenho orgulho de dizer que a primeira roupa assinada que comprei (e guardo até hoje) é Ronaldo Fraga. Por fim, faço questão de assistir porque seus desfiles são sempre muito emocionantes e me fazem lembrar, em meio a tanta correria, os motivos pelos quais escolhi ser jornalista de moda.
+ Reveja os desfiles de Ronaldo Fraga no SPFW
E, desta vez, não foi diferente. Quando a música começou a tocar na sala de desfile – uma bela trilha composta essencialmente por músicas de Dori Caymmi – uma cortina que ia até quase o meio da passarela caiu e revelou um exército de sereias, 35 mulheres com o peito nu e caudas de tecido sentadas sobre pneus. Eram pessoas reais com diferentes tipos de corpos – jovens, idosas, magras, altas, gordinhas, baixas, negras, brancas. Cada uma segurava um pequeno espelho virado para a plateia, refletindo seus rostos e olhares atentos até que as modelos começaram a entrar na passarela.
Assim que acabou a apresentação, que arrancou gritos e aplausos de pé da plateia, corri para o backstage para falar com o estilista e entender como surgiu a ideia desse cenário tão especial. “Quando eu falo de sereia, estou falando da força feminina, da força da transformação, do poder da sedução, e isso não envelhece. Queria falar de uma história como essa mesmo num país onde é pecado envelhecer, é pecado ser negro, é pecado ser gordo, e dizer: ‘não, as sereias são lindas, elas não envelhecem e podem ter o corpo que elas quiserem’”, explicou ele. E quem eram essas corajosas mulheres? “São amigas e amigas de amigos que têm uma história forte e verdadeira, como a Evane, uma senhora de 82 anos, que no último ano passou por um câncer de mama. O interessante é que muitas dessas mulheres, especialmente as mais velhas, disseram que nunca tinham mostrado os seios para outra pessoa a não ser o marido delas e toparam esse desafio.”
Sobre os espelhos, o estilista contou que ele queria que os convidados se vissem refletidos e pensassem “eu poderia ser elas, eu também vou envelhecer, eu poderia estar ali”. E como Ronaldo não dá ponto sem nó, a ideia dos pneus e da passarela coberta por plástico bolha era justamente chamar atenção para a questão ambiental. “Eu brinco que, se o mar não está para peixe, está muito menos para sereia.”
Se a plateia adorou a experiência, as sereias de Ronaldo Fraga também eram só elogios ao desfile. “Eu me senti como se realmente estivesse dentro do mar festejando com as outras sereias”, exclamou Celene Pinto Coelho de Morais, de 82 anos. “Eu só fiquei triste uma hora ao ver que estávamos cercadas por tanta poluição.”
O mais gostoso de sair de uma apresentação totalmente emocionada e feliz é pensar que no Inverno 2016 tem mais – o que será que Ronaldo vai aprontar? Mas vamos voltar para o presente com todo o gás, porque o SPFW está apenas na metade!