Por Alexandre Ougata
É oficial e sabido: a partir de 2017, os desfiles do SPFW adotam o “veja agora, compre agora”. Nesse sistema, o tempo entre os desfiles e a chegada das peças às lojas diminui e se torna quase imediato – diferentemente do que acontece hoje, quando existe um gap entre a divulgação da coleção e sua venda (para entender melhor, leia nossa matéria sobre o assunto).
Debates foram gerados sobre a eficiência ou não deste conceito no mercado de moda brasileiro. Houve os entusiastas, mas também os críticos que enxergaram na dinâmica algo nocivo principalmente para marcas sem grande infra-estrutura, que poderiam ser engolidas pelas maiores.
As opiniões, seja para um lado ou para outro, ajudam a estruturar de maneira mais consistente uma demanda inegável do mercado ávido pelo imediatismo.
Já nesta edição do SPFW, duas marcas colocaram à prova os benefícios ou não do “see now, buy now”. Riachuelo e Ellus 2nd Floor iniciaram a comercialização de suas peças (roupas e acessórios) no dia seguinte ao desfile. Ainda não há um balanço divulgado do quanto esta inciativa rendeu nesses primeiros dias, mas a julgar pelo entusiasmo dos fashionistas na pré-compra de Karl Lagerfeld por Riachuelo, os números devem ser animadores.
Para saber o outro lado da história – não o de quem produz, não o de quem divulga, mas daqueles que consomem ou fazem a ponte entre a marca e o consumidor final -, conversamos com Ana Isabel Carvalho Pinto, sócia-fundadora e diretora de marketing do e-commerce Shop2gether, e Juliana Santos, empresária à frente da multimarca de luxo Dona Santa. Confira:
O processo de comprar quase que instantaneamente as peças que acabaram de ser desfiladas é visto como algo positivo? Por quê?
Ana Isabel Carvalho Pinto: Com a agilidade que a indústria da moda adquiriu recentemente, ter uma peça que acaba de ser desfilada, fresca em conceito e design, é a nova exclusividade. Pois hoje rapidamente essas inovações se multiplicam e ganham as ruas pelas propostas de fast fashion. É um superdiferencial ter a peça on time que tenha o valor criativo de um estilista ou da marca que se admira.
Juliana Santos: Sim, é uma estratégia muito inteligente em tempo de redes sociais gerando desejo imediato. As pessoas não querem mais esperar seis meses para ter uma coleção. É a moda se ajustando mais uma vez ao movimento sócio-econômico.
Existe demanda em vendas para as peças que acabaram de ser desfiladas?
Ana Isabel: No Brasil ainda é uma demanda restrita, mas ela existe sim. Há dois anos fizemos um evento de pre-order de algumas marcas desfiladas na SPFW e foi bastante prestigiado e bem-sucedido.
Juliana Santos: Sim, especialmente entre as pessoas mais jovens. Elas não querem mais esperar. O mundo pode até estar menos consumista, mas está cada vez mais imediatista.
Por que você acha que algumas marcas de luxo, como a Chanel e a Dior, são contra o movimento “see now, buy now”?
Ana Isabel: São marcas que mantêm uma produção menor e que demandam processos mais handmade, com produção de peças numeradas e com matérias-primas exclusivas e escassas. Essas características demandam tempo, como a fabricação de um bom relógio ou o amadurecimento de um bom vinho. Acredito que o entendimento das características de cada marca, produtos e suas peculiaridades de produção vão continuar a ser prestigiadas por quem consome e entende o seu valor.
Juliana Santos: Por tradição, é natural existir essa resistência. São marcas que prezam pela qualidade e excelência. Alguns marcas vão preservar sua crença.
Para as marcas nacionais que ainda não se consolidaram no mercado ou que estão enfrentando a crise, o modelo “see now, buy” não pode trazer mais problemas do que benefícios?
Ana Isabel: A produção imediata demanda recursos tanto materiais quanto humanos, de mão de obra. Marcas que estão nascendo sem investimento terão que mostrar seu diferencial de estilo e qualidade para ampliarem mercado. Ao mesmo tempo, o mercado é diverso e os perfis de consumo também. O que é bom permanece, ainda que se transforme, que restrinja o perfil de consumo, que se associe colaborativamente para seguir.
Juliana Santos: Acredito que só benefícios. Criatividade junto a uma gestão de negócios bem feita são dois pilares fundamentais para qualquer marca, especialmente as que estão se consolidando. Assim, terão uma conexão mais perto e dinâmica com o seu cliente final.
Qual a sua opinião sobre a mudança no calendário, agora sem a nomenclatura de outono-inverno ou primavera-verão?
Ana Isabel: É um movimento coerente que acompanha o nosso tempo e a agilidade no processo de criação, como citei anteriormente. O tempo contemporâneo tem outra dimensão tanto na comunicação, quanto na urgência de consumo de determinados produtos e serviços. Se levarmos em conta inclusive as mudanças climáticas globais e a diversidade do clima das diferentes regiões brasileiras, talvez seja uma adequação muito positiva.
Juliana Santos: Acho perfeita, se adequa a esse momento do “see now, buy now”. Para nós, multimarcas, é perfeito o cliente assistir ao desfile e logo depois as roupas já chegarem à loja. O sistema atual não funciona bem. No momento em que estou vendendo o inverno ainda, os clientes já estão desejando o verão. Isso atrapalha, em muito, as vendas.