Tudo começou com um post no Instagram. Em 2015 a designer gráfica Rachel Berks viu uma foto de 1975 tirada por Liza Cowan que mostrava a artista Alix Dobkin vestindo uma camiseta com a frase: the future is female.
Berks gostou da mensagem e fez 24 camisetas com a frase. Vendeu em dois dias. Então, produziu mais uma leva. E pouco tempo depois, a #TheFutureIsFemale tinha viralizado no Instagram e a busca pelas camisetas fez o pequeno negócio de Rachel bombar.
Ela mesmo diz que não estaria onde está hoje não fosse o Instagram. Mas sua história de sucesso vai muito além do empurrão de uma rede social. Ter um feeling que a faz tomar a atitude certa na hora certa, ter cuidado na hora de lidar com dinheiro, fazer parte de uma comunidade, aproveitar as oportunidades e saber crescer com responsabilidade e ética estão entre os fatos que estão transformando seu negócio Otherwild em um híbrido de varejo, arte e comunidade, um lugar onde as pessoas gostam de estar, online ou offline.
A Otherwild foi aberta em 2012 em um espaço minúsculo em Hollywood, bem longe da atmosfera vibrante e artística da Los Angeles que Rachel frequentava. “Era como ter uma loja na Times Square, em Nova York”, ela relembra. Sua ideia era fazer uma loja que fosse a porta de frente de um estúdio de design. Lá ela vendia um mix de produtos feitos por amigos, como posters, objetos pra casa, livros independentes, joias e cosméticos artesanais. “Minha sócia e eu éramos designers gráficas trabalhando dentro de uma comunidade de artistas gays. Queríamos ter um espaço que promovesse essa turma”, disse à revista Forbes. Acabaram ficando lá por oito meses e mesmo com um espaço longe do ideal, aproveitaram fazendo performances e workshops que levavam cada vez mais gente pro ponto.
Como muitos jovens empreendedores, haviam muitas ideias e pouco budget. Tudo era feito com o mínimo de dinheiro possível. Como vendia por consignação, Rachel desenvolveu uma boa reputação por sempre manter sua palavra e nunca deixar de pagar. “Sempre fui muito cuidadosa com dinheiro. Até mesmo com a camiseta, eu fiz apenas 24 da primeira vez. Nunca produzo exageradamente”.
Depois do sucesso das t-shirts, ela começou a construir seu sonho, ou melhor, a sonhar com um pouco mais de folga. Hoje, a Otherwild é estúdio, loja, espaço para workshops e eventos que vão de leituras e saraus a performances, lançamentos e festas. Agora em dois pontos físicos, Los Angeles e Nova York, além do online, a parte mais robusta do business.
Mesmo com as duas lojas, sua operação ainda é pequena – sua equipe é formada por 10 pessoas totalmente comprometidas e encorajadas a pensar com cabeça de dono: eles criam ensaios para divulgar a marca, postam nas redes e trazem novidades pro portfolio da loja. “Tento manter o negócio pequeno enquanto cresço de forma responsável e ética”.
O dinheiro que entra é reinvestido em duas coisas: staff (“para que eu possa pensar mais na parte criativa e de expansão”) e novas ideias (“para abastecer as lojas com novos itens e linhas, preciso testar e ver se funciona”).
Otherwild x Cara Delevingne
Rachel Berks à esquerda e Adwoa e Cara com as camisetas FIF / Reprodução
Um outro fato também trouxe visibilidade para a Otherwild. Cara Delevingne publica uma foto em que aparece com Adwoa Aboah, as duas vestindo a camiseta The Future Is Female. No post que compartilhou com seus 40 e tantos milhões de seguidores, ela escreve: “THE FUTURE IS FEMALE. Muitos de vocês estão perguntando por essas camisetas, então decidi coloca-las à venda com lucro revertido para a Girl Up”.
Rachel disparou em seguida: “A Otherwild usou a imagem de @lizacowan com permissão. Seu redesenho e reedição são protegidos por lei de direitos autorais, que exige que qualquer reprodução de um trabalho público conhecido existente seja alterada em pelo menos 20% do original”. Ela repostou a foto de Cara com a legenda “A escolha de Delevingne por roubar e produzir o design da Otherwild, reivindicando-se como seu próprio, é indefensável. Suas ações ultrapassam ironicamente a própria mensagem do slogan ‘O futuro é feminino’, já que ela está fazendo isso com uma pequena empresa feminina após comprar o produto de nós há algumas semanas atrás”.
O estilista Prabal Gurung também usou a mesmíssima fonte em uma série de camisetas ao final de seu desfile de Inverno 17. “Ele se apropriou desse design, que hoje se popularizou. e nunca nos contatou para compartilhar que iria coloca-lo em seu desfile. Pessoalmente, eu não estou ciente de suas reflexões sobre feminismo ou suas crenças artísticas, políticas e éticas”.
O slogan original foi criado para a Labyris Books, a primeira livraria feminina em Nova York, aberta em 1972. Três anos mais tarde, Liza Cowan fez a foto para um projeto dela na época chamado “What the Well Dressed Dyke Will Wear.”
A história de Rachel
Rachel cresceu nos subúrbios de Boston. Começou a dançar jazz e balé até que aos 16 foi exposta a dança moderna e acabou se especializando. Foi para Nova York para dançar profissionalmente, mas tinha que se manter dando aula para crianças e trabalhando como garçonete. Depois de três anos, largou tudo e conseguiu um estágio na revista Nylon. De lá, conseguiu uma entrevista na Ford Models, que buscava uma assistente de arte. Ficou lá por oito anos.
Quando sua namorada mudou-se para LA, ela disse ao CEO da Ford que queria ir junto e poderia trabalhar remoto. Levou um grande não e foi despedida. Mas na verdade, foi o primeiro passo na direção certa. Rachel chegou em Los Angeles sem trabalho, planos ou dinheiro. Foi a várias entrevistas de emprego, conheceu um monte de gente, mas nada de trabalho. A única coisa que ela sabia era que queria criar algo que tivesse uma atmosfera artística e de comunidade. Até que uma amiga fez o convite: vamos abrir uma loja com um estúdio de design?
Hoje, apesar do sucesso crescente da Otherwild, Rachel ainda tem uma missão: a de ser uma voz para a comunidade gay e dar voz às mulheres. “O slogan resurgiu como uma afirmação de empoderamento já que corpos femininos ainda sofrem ataque. A Otherwild acredita em uma noção inclusiva, expandida e fluida de expressão de gênero, identidades e feminismos. Nós apoiamos a libertação, abraçamos nossas irmãs e irmãos e pedimos o fim da ideologia, dominação, opressão e violência patriarcais.
Seguindo a mesma ideia de sua primeira camiseta, Berks produziu outras peças inspiradas em pessoas ou acontecimentos passados. As totes com o slogan We Are Everywhere foram inspiradas no broche We are Everywhere, da coleção do Lesbian Herstory Archive de 1978. A camiseta 100% algodão HOW DARE YOU ASSUME I’M STRAIGHT veio de uma foto tirada na Parada Gay em Nova York em 1982. Todas as peças são creditadas e na galeria de sua loja online, também vemos foto da referência inicial.