Moda tem a ver com criatividade, com design, visão, alma, com aquilo que é especial e expressa individualidade. Com o mercado hoje orientado por consumo em massa e por cadeias de lojas que visam lucro a qualquer custo, a gente muitas vezes se esquece disso. Felizmente, há quem esteja empenhado em resgatar esses valores ao devolver aos estilistas liberdade criativa e empoderar o consumidor com peças únicas – de quebra, promovendo produção e consumo mais consciente. É o caso dos jovens Ivan Pereira, Eduardo Taulois e Ligia Carvalhosa, nomes à frente da UDesign, plataforma online de pre-tailing. A ideia é tão simples quanto ambiciosa e inovadora: o estilista desenha uma coleção-cápsula piloto, o consumidor expressa seu desejo de compra e somente o que for vendido é fabricado. Todas as peças são exclusivas e ficam disponíveis para venda aos usuários do site por período limitado.
No ar desde junho de 2017, a UDesign tem ainda o potencial de impulsionar o consumo de moda brasileira, trabalhando em parceria com marcas estabelecidas tais quais Juliana Jabour e À La Garçonne e dando espaço para novos designers como é o caso da Neriage, que lançou sua primeira coleção na plataforma. A cada 15 dias, um novo trunk show é aberto. Até 20.08, por exemplo, você pode comprar as belas criações da Von Trapp; a partir do dia 21.08 entram em cena as babouches super cool da Pége; na sequência, peças exclusivas da nova coleção de Giuliana Romanno saem direto da passarela da SPFW para a UDesign.
A curadoria é feita cuidadosamente por Ligia, 30 anos, que já trabalhou na área de branding da Farfetch e foi editora de moda na Harper’s Bazaar Brasil nos últimos quatro anos. Jornalista, ela também comanda o braço editorial do site. Completam o time, Ivan, 25 anos, idealizador e CEO da UDesign, e Eduardo, 36, CTO e designer, expert em start-ups. Leia nossa conversa com Ivan abaixo.
Como vocês definem a UDesign?
A Udesign é uma ferramenta que dá liberdade criativa para criadores, entrega uma experiência única de compra ao usuário e cria um ciclo verdadeiramente sustentável para a moda.
Da ideia à criação da plataforma, como surgiu a UDesign?
A UDesign veio de uma frustração pessoal. Sempre me interessei por moda, gosto de peças diferentes, que poucos têm ou conhecem. Quando eu finalmente encontrava algo assim, era incrivelmente caro. Ao mesmo tempo sempre via em passarelas ou editoriais roupas incríveis, mas que nunca pareciam estar disponíveis. Foi aí que comecei a estudar como a moda funcionava. Olhando para esse mercado sem os paradigmas de quem já está nele, enxerguei dois problemas.
Do lado do estilista, a maior questão é o risco. Cortar custos e agradar compradores é palavra de ordem, o que leva o estilista a produzir coleções com muitas amarras que têm mais a ver com planilhas de custos e dados de vendas do passado do que com o que os consumidores realmente querem. Afinal, se não agradar as planilhas do time comercial ou o gosto dos buyers o consumidor nunca vai ver aqueles produtos. Então, na verdade, existem muitas criações, mas poucas delas chegam aos consumidores. Do outro lado, vemos um novo tipo de consumidor de moda, que busca comunicar uma identidade única e quer vestir roupas exclusivas e carregadas de experiência.
Eu vi uma maneira de devolver a liberdade criativa ao estilista, tirando o risco de produção da marca, ao mesmo tempo entregando ao consumidor o que ele quer: roupas exclusivas, com toda a força criativa da marca/estilista. Além disso, [é uma forma de] tratar de um dos principais problemas da moda hoje que é a poluição e o uso de recursos [naturais]. A moda é a segunda indústria mais poluente do mundo e emprega, direta ou indiretamente, um sexto da população ativa do planeta. O principal motivo desse impacto que a moda têm, não só no meio ambiente mas também na sociedade, é o modelo de negócios. Uma indústria que vende menos de 30% de suas peças em preço cheio e em que 30% de tudo que é produzido nunca é efetivamente comprado, não tem um modelo de negócios sustentável.
Como se dá a curadoria das peças e a parceria com os estilistas? Acha que esta ferramenta pode impulsionar mais o consumo de moda brasileira?
A nosso curadoria se atenta muito mais a marcas do que a peças em si. Procuramos boas histórias, uma moda autoral e um produto de qualidade acima de qualquer coisa. E isso vem tanto com nomes novos como com nomes já estabelecidos no mercado. Sem sombra de dúvidas isso pode impulsionar o consumo de moda brasileira. Quando você traz à realidade produtos especiais, autorais, que são sonhos dos criadores e exclusivos, eles são mais do que produtos, mais histórias das quais o usuário faz parte – afinal, o fato de ele comprar ou não é o que torna o produto realidade ou não. Esses produtos/experiências tornam-se mais especiais do que algo importado que um milhão de pessoas no mundo têm.
Com qual frequência lançam uma parceria nova e por quanto tempo elas ficam disponíveis para o usuário comprar?
Lançamos novas coleções a cada 15 dias. Durante essas duas semanas a plataforma fica inteiramente dedicada a uma marca. Como as criações são exclusivas para a UDesign, depois desse período as peças não são mais comercializadas. Esse formato gera desejo, além de dar um retorno muito rápido e certeiro para o estilista das criações que encantam seus clientes. A forma como a plataforma funciona aproxima as duas pontas da cadeia – estilista e usuário – e, no final das contas, o estilista tem a possibilidade de entender a reação do seu público, de saber o que agrada, e os consumidores, de poderem comprar aquilo que de fato desejam, sem interferências de buyers ou outros players da indústria.
Que tipo de feedback vocês tiveram dos estilistas até agora?
O apoio dos estilistas tem sido incrível. Cada um deles que confiou em nós mesmo antes da plataforma estar no ar faz parte dessa história. Eu acho que mais do que o retorno financeiro, o grande retorno que eles tiveram foi poder tornar realidade as suas criações mais “arriscadas”, sem nenhum risco, além de também testarem ideias em um curto espaço de tempo sem perder nada.
Além de mudar a maneira que a moda é feita, de que maneira essa proposta muda a maneira que a moda é consumida?
Para mudar a maneira que a moda é feita é necessário mudar a maneira que consumimos ela. Propomos consumir menos mas consumir produtos especiais e de qualidade. Como bem diz Vivienne Westwood: “Buy less, choose well, make it last”.
Por que decidiram incluir uma vertente editorial na UDesign?
O editorial é muito importante para o nosso conceito. Mais do que um lugar em que você entra só para comprar, você entra para consumir conteúdo, aprender e voltar com uma frequência muito maior para a plataforma e, é claro, ser parte dessa comunidade.
Como se deu o investimento inicial de vocês?
Temos investidores por trás, mas a pedido deles e como estratégia da empresa, não podemos abrir os nomes no momento.
Quais são os desafios de estabelecer uma plataforma como esta?
Como meu pai sempre diz: Fácil é o que os outros fazem. Tudo é um desafio. Quebrar o paradigma do consumo atual é difícil, as barreiras tecnológicas para as inovações que queremos implementar são difíceis, até mesmo entrar no mercado de moda para alguém que não vem desse mercado é difícil. Mas até agora nosso time tem sido capaz de superar todos esses desafios e acredito que continuará assim. Agregamos um grupo de pessoas com conhecimentos muito diversos e temos uma missão muito bem estabelecida. O curso vamos ajustando no caminho, mas temos nosso norte.
Acham que este é um modelo de negócio que deve ganhar aderência, um movimento que tende a crescer? Por que?
Já extrapolamos os limites do planeta para a moda em todos os quesitos menos o de uso de água. Uso de terras para plantação de algodão, dejetos, emissões criadas para gerar a energia elétrica usada na produção… Criar, produzir e depois tentar vender é um modelo que não vai mais funcionar, o planeta não vai resistir. Até 2030 seremos mais de 8 bilhões de pessoas no mundo e se não mudarmos nossos hábitos de consumo, o impacto desse consumo adicional será ainda mais desastroso. Para empresas de fast fashion as quais a criação não é o foco, redes neurais de machine learning vão definir o que será criado e produzido. Já no mercado de luxo, onde a criação é uma parte fundamental do negócio, um modelo como o nosso será a opção. Um modelo onde não há desperdício e a cadeia produtiva pode ser melhor remunerada já que não existe o custo de estoque, showroom, risco de produção nem de sale.
Eu vejo o movimento do pre-tailing quase como o movimento para matriz elétrica de carros. 30 anos atrás ninguém imaginaria que o carro de produção mais veloz do mundo – e um dos mais desejados, seria um carro elétrico, o Tesla. Esse movimento é necessário. Mais do que “se”, é uma questão de quando ele vai acontecer.