Por Guilherme Meneghetti
Depois do aclamado Me Chame Pelo Seu Nome (2017), Luca Guadagnino vai no caminho oposto e lança este ano o terror Suspiria, inspirado no filme homônimo de Dario Argento, lançado em 1977. Abaixo contamos tudo o que você precisa saber sobre o longa:
Trailer
Enredo
À primeira vista pode parecer, mas não se trata de um remake. “Foi inspirado na mesma história, mas vai em outra direção, explora outras razões”, disse Guadagnino ao site francês AlloCiné, sobre o roteiro de David Kajganich. “É semântica, claro, mas acho que as pessoas realmente têm de entender que não é um remake, porque essa palavra dá impressão que queremos apagar o original, e tentamos fazer o oposto”.
E o oposto, na verdade, trata-se mais de uma respeitosa homenagem do que uma tentativa de refazê-lo, já que a admiração por Argento não é de hoje. “Todo filme que eu faço é um passo dentro dos meus sonhos de adolescente, e Suspiria é, notavelmente, o mais preciso que eu poderia ter tido”.
O enredo é uma fábula de possessão demoníaca. Conta a história da conceituada escola feminina Helena Markos Dance Academy, da Madame Blanc (Tilda Swinton), uma das bruxas que dirige o espaço, em Berlim Ocidental. O ano é 1977, e a bailarina americana Patricia Hingles (Chloë Grace Moretz) tem um surto. Ela corre para o seu psiquiatra, Dr. Josef Klemperer, para procurar ajuda. Patricia murmura ameaçadoramente enquanto pula e se contorce pelo consultório. O psiquiatra faz suas anotações enquanto Patricia continua desequilibrada. Logo ela desaparece, mas deixa uma sacola e um caderno cheio de reflexões enigmáticas. Klemperer abre o caderno e se inquieta para descobrir alguns desses enigmas, segredos obscuros escondidos nas paredes da academia.
Enquanto isso, a talentosa e inexperiente bailarina Susie Bannion (Dakota Johnson), que cresceu numa fazenda ensolarada de Ohio, troca a América pela Europa quando se muda para estudar na Helena Markos. Blanc se simpatiza com Bannion e até a escolhe para liderar a apresentação de sua coreografia, a Volk. Sua ingenuidade torna-se progressivamente bizarra, enquanto, paralelamente ao longo da trama, uma funcionária corta a garganta, uma estudante dança até seus ossos quebrarem e bruxas riem enquanto apontam uma foice afiada e brilhante para um homem.
Se no Suspiria de Argento o italiano sabiamente equilibrou, na tela, o clima lúgubre com cores primárias saturadas (algo recorrente em seus filmes), o Suspiria de Guadagnino se restringe a uma paleta suave de cinza, marrom, bege e ferrugem, com destaque ao figurino.
Figurino
É no figurino que as cores ganham vida, ainda que igualmente suaves e com destaque ao vermelho. Assinado por Giulia Piersanti, que trabalhou com Guadagnino em Um Mergulho no Passado (2015) e Me Chame Pelo Seu Nome (2017), o figurino foi usado como um conjunto de símbolos alusivos ao universo feminino. Na verdade, o Suspiria de 1977 também sempre foi uma referência para Piersanti no que diz respeito a cores e à fotografia. Entretanto, como a linguagem de Guadagnino é totalmente outra, ela optou em partir do zero, isentando-se da necessidade de assistir novamente ao filme de Argento. “Você precisa fazer um esforço extra para contar sua própria visão”, diz. Por isso quase todo o figurino foi feito sob medida e os sapatos ficaram a cargo de Francesco Russo.
Como se trata de bruxas, o segundo desafio foi passar longe do óbvio para não fazer nada muito “witchy”. Além disso, a italiana, que também trabalha com marcas como Celine e Balenciaga, quis valorizar o fato de ter um elenco de peso e diverso, com grandes mulheres de diferentes idades e backgrounds. “Eu realmente queria transmitir isso, mesmo que elas passem o dia como mulheres ‘normais’, levemente excêntricas, na verdade elas estão tramando algo, então queria que houvesse humor e ironia nas escolhas do guarda-roupa”, conta ao site da Dazed. “O personagem de Ruth Gordon em O Bebê de Rosemary [filme de terror de 1968] era o que eu tinha em mente e pretendia fazer do meu jeito”. À Vogue US, complementa: “Queria dar certo humor para essas senhoras excêntricas passar seu dia a dia”. Os filmes de Rainer Werner Fassbinder dos anos 1970 e o thriller psicológico Possession, de 1981, também serviram como referência.
A pesquisa começou no eBay, quando Piersanti comprou edições antigas da Sibylle, revista de moda da Alemanha Ocidental que, quando em voga, era conhecida como a versão socialista da Vogue. Foi importante para entender o que as pessoas vestiam na Alemanha da época. “Adorei as silhuetas e achei os ajustes não tão óbvios para um filme de época”. A ideia era criar uma narrativa visual da Berlim de outrora através das roupas. Nem ela, nem Guadagnino queriam que as cores fossem destaque, e Piersanti já tinha uma ideia primária para trabalhar com referências de algumas de suas obras de arte preferidas, de artistas como Louise Bourgeois e Rebecca Horn, que usam o corpo feminino como uma ferramenta.
Então os símbolos começaram aparecer. “Eu usei arquétipos do corpo feminino numa série de estampas gráficas bem 70’s, para fazer blusas, saias midi e vestidos”, conta ela sobre os tecidos encomendados numa fábrica que trabalha com Prada e Louis Vuitton. “O vestido de noite da Madame Blanc é estampado com a forma de uma mulher manipulada para se tornar uma tulipa, enquanto uma das blusas da Sra. Vendergast tem milhares de ‘mulheres saindo’ de seus ombros e ao redor do pescoço. Outro detalhe é a estampa de rosas, que, na verdade, são vaginas”. Sara (Mia Gowth) também tem um pijama com flores que foram criadas a partir da forma dos seios. Já Susie usa um vestido que, aparentemente, parece uma estampa de cerejeiras e, de perto, é o formato de um quadril.
Os looks mais complicados para construir, segundo Piersanti, aparecem nas cenas finais. Foram produzidos com aplique de cabelo humano. “Eles foram todos colocados à mão sobre uma estrutura semelhante a uma gaiola de fita, para manter o corpo livre ao movimento e também enfatizar a nudez do corpo”, explica. “Cada peça era diferente em forma e cor, e todas foram inspiradas pelo drapeado à la Madame Grès. Queríamos que parecesse que fora feito com cabelo cortado de sujeitos martirizados no século passado”. Após as filmagens, todas as noites os vestidos tinham de ser delicadamente “lavados” com sangue falso e penteados de volta no lugar.
Já em uma das cenas de maior impacto, próximo ao clímax final, quando as bailarinas entram em cena para dançar Volk, coreografia de Blanc que tanto ensaiaram, as roupas são um show à parte. “Eu me deparei com um trabalho dos artistas Christo e Jeanne-Claude, de 1979, que mostra uma mulher em um vestido de noiva feito de cordas, que são amarradas a uma pedra atrás dela, como um véu. Gostei da forma como representava o pesado fardo que as mulheres têm que carregar”. Pesquisou, então, sobre a Shibari, prática japonesa de amarração erótica, e o trabalho do fotógrafo Araki, e comprou copiosos metros de corda vermelha de um fornecedor cujos maiores clientes são sex shops. O resultado foi feito à mão por ela e sua equipe, seguindo a premissa da moulage: primeiro iam fazendo nós e amarrações num manequim, depois, vestiam o elenco para os ajustes.
“A energia criada pelas roupas com nós vermelhos, o efeito de gotejar sangue criado pelo peso delas e o modo como elas se movem conforme o movimento potente, fez com que aumentasse a sensação de medo, sobretudo das coisas que estão por vir – para mim, é essa sutileza que é vista em todo o filme, que torna os momentos dramáticos ainda mais aterrorizantes”.
Elenco
O elenco é majoritariamente feminino: Tilda Swinton (a gente ama!), Dakota Johnson, Mia Goth, Chloë Grace Moretz, Jessica Harper (que também estrelou o filme de Argento), Ingrid Carven, Angela Winkler, Alek Wek, entre outros.
Tilda Swinton ou Lutz Eberdorsdorf?
Antes mesmo da estreia do filme, com a divulgação dos trailers e a foto de um paparazzo que mostrava Swinton como Dr. Klemperer durante a gravação em Berlim, já estava circulando nas redes sociais boatos dizendo que o psicanalista fora interpretado pela camaleônica Swinton – nada muito difícil de acreditar pensando na maestria com que a atriz se entrega em seu trabalho. “Fake News”, desconversou Guadagnino.
Após a premiére no Festival de Veneza, os créditos do filme indicavam que Dr. Klemperer fora interpretado pelo não ator Lutz Eberdorsdorf. No IMDb havia uma pequena biografia dele: um psicanalista aposentado de Berlim que não possuía experiência dramática; Suspiria fora seu primeiro e último filme atuando, já que não tinha planos para continuar a carreira de ator.
No tapete vermelho do Festival de Veneza deste ano, Luca Guadagnino chegou acompanhado pelas atrizes Tilda Swinton, Dakota Johnson, Mia Goth, Chloe Grace Moretz, Jessica Harper, a modelo Alek Wek, o roteirista David Kangjanich e Thom Yorke, frontman do Radiohead – e nada do tal Lutz Eberdorsdorf. No momento em que o elenco falou com a imprensa após a exibição do filme, Swinton leu uma carta de Eberdorsdorf em que ele explica sua ausência, “por ser uma pessoa reservada”. Um jornalista a pergunta descaradamente como foi viver dois personagens de uma só vez e se ela esperava ganhar o Oscar por algum deles. Sisuda, Swinton responde: “Se você olhar os créditos, verá que Klemperer foi interpretado por Lutz Eberdorsdorf. Quanto a ele, sim, torço para que seja indicado”.
Acontece que, pouco tempo depois, a atriz revelou tudo numa entrevista ao New York Times. “A resposta para a pergunta ‘você está interpretando Dr. Klemperer em Suspiria?’ sempre será que ele foi interpretado por Lutz Eberdorsdorf”, explica. Então o jornalista Kyle Bochnan muda um pouco a pergunta. “Você está interpretando Lutz Eberdorsdorf?”. “Inequivocadamente, sim”.
Segundo ela, tudo isso foi pura diversão, até mesmo escrever a biografia do suposto ator no IMDb – desde então, o site redireciona a página de Eberdorsdorf para Swinton. “A intenção nunca foi enganar ninguém. Assim como minha avó quis um lema para viver (e morrer), ‘viva intensamente’”. Mas não foi somente sobre diversão. Guadagnino sempre concebeu Suspiria como um filme sobre identidade feminina, e escalar Swinton para o único papel masculino de destaque garantiria que sempre houvesse esse elemento de feminilidade em seu núcleo.
O responsável por caracterizá-la como tal foi o premiado maquiador Mark Coulier. A caracterização levou em torno de quatro horas por dia, e Swinton passou mais dias com essa maquiagem pesada do que para qualquer outro projeto. Segundo Mark, embora Swinton tenha um visual levemente andrógino do ponto de vista de modelo de moda, sua estrutura ainda assim é muito feminina. Para disfarçar, foram necessários preenchimentos no pescoço para engrossá-lo e “refazer” sua mandíbula, para parecer mais masculina e pesada.
A imersão foi tamanha que Swinton pediu para usar um pênis falso entre as pernas e, no set, quando gravava as cenas como Dr. Klemperer, preferia ser chamada de “Lutz”. Muitos dos figurantes e da equipe sequer tinha ideia de quem era aquele “senhor”. “Eles se perguntavam: ‘esse ator, Lutz Eberdorsdorf, é famoso?’. Buscavam por ele no IMDb e não havia nenhuma informação”, conta Mark.
Trilha
Foi a primeira trilha sonora feito por Thom Yorke, frontman do Radiohead, para um longa (ouça abaixo). Em entrevista à Billboard, o britânico confessa que não assistiu ao filme original, mas sempre foi fã de Goblin, banda responsável pela arrepiante trilha de 1977.
Crítica
Para a crítica, o filme dividiu opiniões. Enquanto o Daily Telegraph o avaliou com cinco estrelas dizendo que é “melhor do que o original”, e a Indiewire o classificou como um “trabalho sombrio e glorioso de loucura”, a Time o descreveu como “insosso, chato e bobo”, e o New York Times diz que “à medida que a primeira hora de Suspiria chega à segunda e adiante (são 2h30), ele se torna cada vez mais distendido e ainda mais oco”.
De acordo com o Deadline, na primeira exibição do filme no Festival de Veneza (para a imprensa), houve aplausos e vaias. Já na premiére, foi ovacionado durante oito minutos. Resta tirarmos nossas próprias conclusões quando estrear por aqui e, por enquanto, nenhuma data foi divulgada.