2018 foi definitivamente o ano do streetwear. Apesar de não ser um fenômeno novo, ficou claro como um cristal que a ascensão do streetwear é uma das maiores transformações da moda contemporânea. Virgil Abloh chegou a compará-lo ao momento em que Yves saint Laurent introduziu o prêt-à-porter em 1966 como uma moda mais acessível e que se aproximava mais das ruas, diferentemente da Alta Costura. “A diferença mais notável é que hoje há um grupo muito maior e mais diverso de pessoas que estão dando forma a essa cultura”, diz Abloh.
O tempo passou, o prêt-à-porter virou o fenômeno de sua época e, aos poucos, passou a se aproximar mais da Alta Costura em termos de nível de criação e qualidade de produto. E hoje, o streetwear parece ser novo prêt-à-porter. Ao menos para as gerações Z e Millennial, que têm sido um dos principais drives do mercado de moda. Elas representam uma comunidade enorme de novos consumidores que buscam autenticidade, valores e uma sensação de comunidade e pertencimento.
Neste ano, ouvimos mais do que nunca falar de marcas como Off-White (uma das mais vendidas em plataformas como Net-a-Porter), Supreme, Gosha Rubchinskiy, Palace, Vetements, Fear of God, Matthew Williams, Cottweiler, Nasir Mazhar, para mencionar algumas. Pela primeira vez, o CFDA premia uma grife de streetwear, nomeando James Jebbia, criador da Supreme, estilista masculino do ano. “Nunca considerei a Supreme uma empresa de moda tampouco me considero um estilista, mas agradeço o reconhecimento pelo que faço”, disse Jebbia ao receber o prêmio.
Esse é um ponto que merece atenção: o streetwear nasceu e cresceu fora da órbita da moda, criando sua própria comunidade, estética e regras. É uma cultura antes de ser um mercado.
As mudanças que trouxeram o streetwear até aqui estão interligadas. De uns tempos para cá, as roupas ficaram mais casuais até mesmo nos ambientes corporativos, com os jovens CEOs do tech dominando o mundo. As mulheres trocaram o salto por tênis. Marcas passaram a se inspirar em grifes esportivas, unindo design a conforto e tecnologia. Novas gerações surgiram e não podemos esperar que elas irão apenas repetir o comportamento das gerações anteriores. E seus novos valores estão redesenhando o mercado – eles têm uma visão totalmente diferente sobre o que é luxo ou símbolos de status e, adivinhe, para essa turma, uma marca como a Supreme pode ser tão ou mais legal do que uma Louis Vuitton. “A ênfase foi da qualidade e habilidade manual para a singularidade do produto”, diz Demna Gvasalia, diretor criativo da Balenciaga e da Vetements ao Financial Times. “A geração mais jovem procura algo que se destaque e os torne especiais, em vez de necessariamente um acabamento incrível que você encontraria nas marcas tradicionais de luxo”.
O próprio Demna detonou a febre do chunky sneaker com o Triple S da Balenciaga. O resultado, além da fila de espera pra comprar um modelo de tênis por R$ 7 mil, foi a enxurrada de lançamentos seguindo a mesma estética. Versace, Valentino, Dior, Stella McCartney, Louis Vuitton, Zegna, Zara e centenas de outras introduziram suas próprias versões ou, em alguns casos, cópias mesmo da Balenciaga.
A Nike, por sua vez, lançou colabs com Matthew Williams e Fear of God.
E de repente, os pilares do luxo, “heritage” e trabalho artesanal de excelência, passaram a ter menos relevância para a nova e engajada geração de consumidor. Eles não querem pagar milhares de dólares por uma jaqueta de couro italiana, mas topam pagar um pouco menos em um par de sneakers. A definição de luxo mudou.
Um ponto importante sobre o êxito do streetwear é que ele tem criatividade e potencial comercial na mesma medida (com um jeito super inteligente de trabalhar o logo), além de ser, de uma maneira geral, representado por peças que são muito mais fáceis de vender porque falam com todos: camisetas, moletons/hoodies e sneakers, a Santa Trindade do guarda-roupa jovem.
Outra coisa que desde o ano passado começou a tomar o mercado de moda foi a estratégia dos drops, que consiste em lançar novos produtos nas lojas em quantidades pequenas porém regulares, fazendo com que a marca sempre tenha uma novidade mais exclusiva nas prateleiras. Esse sistema não só cria hype para a grife, como também funciona como uma porta de entrada para o universo super cool do streetwear.
O fato de que Louis Vuitton e Dior contrataram dois grandes adeptos da cultura street, Virgil Abloh e Kim Jones, respectivamente, para dirigirem suas linhas masculinas, é um grande sinal. Seus desfiles de estreia foram os mais concorridos e comentados do ano, algo que nunca se viu no segmento masculino.
Há décadas enraizado nas culturas de skate e hip hop, vale lembrar que o streetwear não é somente uma grande tendência transformadora, mas uma cultura onde, muito mais do que o dinheiro, é o conhecimento e o engajamento que vai liberar sua entrada nesse universo.