Por Luiz Henrique Costa
“Envelhecer é a coisa mais poética do mundo: até os olhos ficam entre aspas. Deve ser porque entre a infância e a velhice há um instante chamado vida” Edna Frigatto
O ano de 2013 foi especial nas indicações à premiação de melhor atriz no Oscar porque concorreram duas profissionais em momentos completamente dispares da vida e das interpretações: Em uma ponta estava a mais idosa, Emmanuelle Riva, com então 85 anos representando o drama francês Amour e do outro a pequena Quvenzhané Wallis com apenas nove anos pelo filme Indomável Sonhadora.
O prêmio acabou indo para Jennifer Lawrence, mas foi a total entrega de Emmanuelle Riva ao seu personagem em Amour que verdadeiramente arrancou lágrimas através de uma atuação arrasadora no papel de uma mulher em franco declínio físico e mental após sofrer um derrame. O filme retrata um casal idoso de modo muito comovente, o marido de Emanuelle sabe que a vida da esposa está chegando ao fim e quer dedicar todo amor e cuidados que estão ao seu alcance para que o fim da companheira seja o menos doloroso possível. Denso e realista e que nos pega em cheio em um lugar certamente apavorante: Não ser mais capaz de cuidar de si.
Em Meu Pai Anthony Hopkins vive Anthony e se entrega com semelhante vigor visto na interpretação de Riva em Amour e não é exagero afirmar que temos uns dos trabalhos mais intensos e marcantes na brilhante trajetória do ator galês de 83 anos. O que não é pouca coisa. Anthony (o personagem) sofre de um tipo de demência acometida pela idade e os olhares do ator, ora vagos, vazios, confusos, ora despertos e curiosos são devastadores.
O filme, indicado ao Oscar em seis categorias: melhor filme, melhor ator, melhor atriz coadjuvante para Olivia Colman, melhor montagem, melhor design de produção (direção de arte) e roteiro adaptado, é dirigido pelo francês Florian Zeller, em adaptação ao seu próprio texto escrito originalmente para o teatro na peça com o mesmo nome. No Brasil, o texto foi interpretado nos palcos pelo ator Fulvio Stefanini em 2017.
Cena do filme meu pai, com olivia colman e anthony hopkins
Esse é um trabalho em que a montagem é propositalmente confusa desenhada para desorganizar a lógica do expectador tal como os pensamentos se embaralham dentro da mente do personagem de Hopkins. No apartamento em o personagem vive, em Londres, objetos aparecem, mudam de lugar e desaparecem sem explicação. A filha, Ann, interpretada com delicadeza por Olívia Colman, anuncia que está de mudança para Paris com o companheiro e isso parece ser o ponto de partida para ingressarmos nos labirintos que se formam dentro de Anthony e a partir de então não sabemos mais o que é real.
A fotografia do filme é assinada por Ben Smihard, que tem trabalhos importantes na bagagem como Downton Abbey e alterna momentos de iluminação natural com momentos mais sombrios dentro do apartamento do protagonista, esse jogo de luz pode ser interpretado como um elemento sutil e metafórico dos próprios pensamentos em que o idoso oscila em sua própria rotina.
Embora não seja dito que o personagem de Hopkins sofra de Alzheimer, é evidente que o processo pelo qual ele passa é naturalmente muito doloroso para a filha, e conforme as suas memórias se apagam e ele vai se tornando mais inquieto, arisco e agressivo, podemos sentir que de alguma forma os laços entre pai e filha se estreitam. Quando não sabemos para que lugar a mente de alguém que amamos está seguindo, somente que é um doloroso caminho sem volta, aprendemos a valorizar pequenos gestos de carinho, acreditando que eles possam ainda de alguma forma reconhecer o nosso afeto.
Enredos como de Meu Pai não são novidade no cinema, mas nos tocam em um lugar profundo de reflexão: Aquele duro momento da vida em que os papéis se invertem e temos que cuidar de quem sempre cuidou da gente. Ás vezes pode ser uma experiência rasa como aconteceu em Para sempre Alice, de 2015, obra em que a personagem da Julianne Moore descobre com apenas 50 anos um tipo de Alzheimer precoce, ou algo arrebatador com em Amour, mas um texto que nos toca pela proximidade iminente com a nossa realidade. Afinal que lugar misterioso é esse, onde, em certa idade, a nossa mente adormece? Que canto é esse em que a nossa memória busca refúgio, onde nos desconectamos aos poucos do corpo e voltamos a ser a criança que, lá no fundo, nunca deixamos de ser? São raras as famílias que nunca vivenciaram episódios semelhantes e por esse motivo Meu pai é especialmente sensível e a troca de olhares e gestos entre Hopkins e Colman torna o material brilhante.
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