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    Uma análise sobre a transmissão do Globo de Ouro e seus símbolos
    Uma análise sobre a transmissão do Globo de Ouro e seus símbolos
    POR Camila Yahn
    Meryl Streep, Ai-jen Poo, Michelle Williams e Tamara Burke no Globo de Ouro / Reprodução

    Meryl Streep, Ai-jen Poo, Michelle Williams e Tarana Burke no Globo de Ouro / Reprodução

    “Me conte sobre o seu vestido”. “Ele é rosa e tem algumas estrelas”. Essa foi a entrevista entre o apresentador Ryan Seacrest e Emma Stone no red carpet do Globo de Ouro ano passado. Adicione aí alguns adjetivos como maravilhosa, divina, fantástica, esplêndida e esse é o conteúdo gerado em torno de uma atriz indicada por seu trabalho em um filme. E assim tem sido ano após ano. Todo mundo lá, incluindo até mesmo mulheres estonteantes com vestidos de sonho, é bom no que faz e receberá um prêmio por isso, mas com o tempo, as premiações tornaram-se uma situação em que o que mais importa é o que se usa. E nós, meros espectadores, compramos o sonho que eles nos vendem, amortecidos no sofá até tarde da noite pela beleza, o glamour, a riqueza dessas mulheres, trocando opiniões acaloradas sobre quem é a mais bonita – ou a menos… O business de vender sonhos foi ficando cada vez mais profissional. As convidadas não apenas têm que dar sua entrevista usual, mas também desfilar seus dedos em uma minipassarela para a Mani Cam do canal E! (mani de manicure), depois dar um giro para mostrar seu vestido para a 360 Glam Cam e ainda exibir suas bolsas para a Clutch Cam. Neste domingo, a cobertura foi um tanto diferente – as atrizes tinham mais a dizer (não que elas não tivessem antes, mas ninguém perguntava). Vimos pouquíssimos comentários sobre os vestidos e nenhum dos apresentadores ousou perguntar de que marca era porque a roupa, ao mesmo naquela noite, tinha um novo significado. As atrizes vestiram preto como apoio simbólico a organizção Time’s Up, um fundo de US$ 13 milhões criado para ajudar vítimas de abuso sexual, penalizar empresas que toleram assédio e incentivar a igualdade em estúdios e agências de talento. Usar preto naquela noite mostrava solidariedade, união e ajudava a chamar atenção, muito além de Hollywood, para o fato de que nós mulheres estamos cansadas e uma transformação está à caminho. Algumas atrizes apareceram acompanhadas de ativistas de diversas áreas – e delas não desgrudaram. São raras as fotos em que aparecem sozinhas, para desespero dos veículos que cobrem os red carpets e querem uma imagem impecável de cada celebridade. Mas esse é o ponto: ao ficarem juntas durante o tapete vermelho, elas obrigam a uma virada na cobertura e o assunto imediatamente muda. E foi o que vimos acontecer. Michelle Williams levou Tarana Burke, guerreira criadora do movimento #MeToo e da ONG Girls for Gender Equity. A hashtag ganhou as redes em 2017, mas Tarana trabalha nisso há 10 anos, criando espaços para apoiar e ampliar as vozes de sobreviventes de abuso sexual e exploração. “Já trabalhei em toda área de justiça social que você pode imaginar, mas tenho focado cada vez mais em meninas negras e mulatas”, diz. O #MeToo foi mencionado por Oprah Winfrey em seu discurso. Meryl Streep foi com Ai-jen Poo, diretora da National Domestic Workers Alliance, que batalha por locais e condições de trabalho seguras e dignas. Mónica Ramírez, que acompanhou a atriz Laura Dern, luta contra a violência sexual nas fazendas. E assim, o conteúdo da transmissão tomou outra forma. As marcas de moda seguiram o código e não postaram fotos no Instagram divulgando que estavam vestindo essa ou aquela atriz. Algumas, como Versace, Calvin Klein e Gucci divulgaram na manhã seguinte. A Louis Vuitton, que vestiu Michelle Williams, Alicia Vikander e Emma Stone, levou ainda mais tempo e, quando publicou, escreveu sobre o movimento Time’s Up, com as devidas hashtags, assim como a Gucci. A CK anunciou que vai contribuir financeiramente para a organização. A Versace não mencionou nada, mesmo tendo vestido Oprah, dona do discurso mais empoderado na noite. A Prada nem se quer postou o look de Diane Kruger no feed.  

    A iniciativa no geral é importante e tem seu impacto, mas também mostra como esse meio parece despreparado para sair da comodidade que a futilidade oferece. Diferentemente de todas as outras edições, os apresentadores não perguntavam “quem fez o seu vestido” e sim “por que você está usando preto hoje”? E assim, diferente #sqn, a repetição e a falta de criatividade quase afogaram a cobertura, não fosse o tom mais empolgado das atrizes e ativistas defendendo suas causas no lugar de suas joias. Pegue Debra Messing, por exemplo. Ao explicar porque estava vestindo preto aquela noite, ela incluiu em sua resposta que não tinha gostado de saber que o canal E!, para o qual ela dava aquela entrevista, paga salários mais baixos para as mulheres do que para homens na mesma posição. É compreensível que um evento gigante transmitido ao vivo para o mundo inteiro precise de uma pauta organizada para evitar furos, mas é possível fazer melhor. Raramente as mulheres são questionadas sobre como o sexismo afetou suas carreiras e para mim, ficou nítida a falta de preparo dos apresentadores ao sair de sua zona de conforto. Giuliana Rancic, do canal E!, não sabia o que falar com Laurie Metcalf, indicada por sua atuação em Lady Bird. Um pouco constrangida, ela elogiou o vestido, sabendo que não podia abordar muito a roupa. Falar sobre o que então? O que será que uma atriz de teatro, cinema e TV com mais de 30 anos de carreira tem a dizer? Para Rancic, parece que não muito. Em outro momento, Giuliana estava com a adorável turma de Stranger Things. Ela se vira para a novata Sadie Sink, a Max, e pergunta: “Você entrou agora na série. Como é? É diferente de assistir em casa?”. WTF! No mínimo, é tratar essa menina e os espectadores como burros. São dois rápidos episódios, que para muitos passaram batido, mas exemplificam o quanto esses apresentadores são viciados no sistema do glamour.

    Rose McGowan em um discurso na The Women’s Convention, em Detroit, em outubro de 2017 / Reprodução

    Rose McGowan em um discurso na The Women’s Convention, em Detroit, em outubro de 2017 / Reprodução

    Não é de hoje que as mulheres lamentam que seus esforços criativos não são abordados em entrevistas de red carpet. Em 2015, Reese Witherspoon usou sua presença no Oscar para pedir relatos através da hashtag #askhermore, encorajando os jornalistas a mudar o foco e perguntar também sobre trabalho. Já a atriz e ativista Rose McGowan vai ainda mais fundo. Para ela, usar um vestido preto no tapete vermelho é uma forma fraca de protesto. Afinal, preto é a cor a qual recorremos quando queremos nos sentir adequadas e seguras. Para Rose, colocar um vestido preto é fácil demais. “Nem de longe comunica a sensação de perda, tristeza e traição. Em um momento em que s mulheres estão levantando sua voz, o objetivo é ser visto e ouvido”, escreveu Robin Givhan em apoio ao posicionamento da atriz. De fato, esse é um ponto. Provavelmente algumas mulheres apenas se adequaram ao dress code repentino, mas suas escolhas estavam vazias de significado e simbolismo.

    Kendall Jenner à esquerda e Marai Larasi com Emma Watson à direita / Reprodução

    Kendall Jenner à esquerda e Marai Larasi com Emma Watson à direita / Reprodução

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