Não é à toa que estamos ouvindo dizer que a África será (ou já é) o novo destino da moda. A região, de uma maneira geral, passa por um renascimento devido a sua riqueza cultural e uma indústria criativa emergente. Líderes de países como Quênia, Angola e África do Sul estão em andamento com uma série de reformas para melhorar o crescimento econômico, a competitividade e criar oportunidades de emprego.
Há anos, a Etiópia vem trabalhando para se tornar o próximo grande destino da produção têxtil e de moda e já se autodenomina como “a nova China”. Impulsionada pela forte demanda global por moda barata e a abundância de empregos de baixa qualificação, o governo inaugurou em 2017 o Parque Industrial Hawassa, em Addis Ababa, capital da Etiópia, que abriga 25 mil operários trabalhando para marcas como H&M, Guess, Levi’s, Calvin Klein e Tommy Hilfiger (essas duas últimas aparecem nas listas como PVH, nome do grupo que as detém). Segundo um artigo publicado no site Quartz, a país planeja aumentar as exportações de vestuário para um total de US$ 30 bilhões por ano.
O problema é que esse plano está acontecendo às custas de maus tratos e pagamentos injustos. Um estudo recém divulgado do Centro de Business e Direitos Humanos da Universidade de Nova York mostra que a Etiópia paga o salário mais baixo do mundo para trabalhadores da indústria do vestuário: US$ 26 por mês (aproximadamente R$ 103). O estudo foi feito com 1.000 funcionários de 52 fábricas em três regiões e relata que 65% recebe menos de US$ 70 por mês (o salário mínimo na Etiópia é de US$ 110, de acordo com Ayele Gelan, economista do Kuwait Institute for Scientific Research).
Em comparação, os trabalhadores do mesmo setor na China ganham US$ 340; os do Quênia ganham US$ 207 e os de Bangladesh US$ 95.
Se por um lado o governo tem atuado para atrair investimentos globais para impulsionar a economia do país, essas ações não têm trazido prosperidade, ao menos aos funcionários que não conseguem sanar suas necessidades básicas com esse salário e reclamam de não receber treinamentos adequados para o serviço e de gerentes estrangeiros que os tratam a base do grito.
Naturalmente, isso cria um ambiente hostil e desrespeitoso. Em uma nação com pouca presença sindical, os funcionários não conseguem se organizar para dar voz às suas reclamações. Segundo a pesquisa, por conta disso, os níveis de atrito no parque giram em torno de 100%, diminuindo as taxas de eficiência. “Dado o pouco treinamento, empregados descontentes que protestam parando o trabalho ou desistindo completamente, a produtividade nas fábricas de Hawassa é tipicamente baixa, enquanto a desilusão e o atrito dos trabalhadores são altos”, diz o report.
A pesquisa chama os líderes para estabelecer um plano econômico de longo termo para fortalecer a indústria do vestuário com um salário mínimo que garanta condições dignas de vida. Mas infelizmente, essa é uma cultura que está enraizada no alto escalão de governos e grandes empresas. Abebe Abebayehu, chefe da Comissão de Investimento da Etiópia, disse à Associated Press que a maioria das fábricas de vestuário prefere localizar-se em locais com baixos custos de mão-de-obra. “Se não fosse esse o caso, as empresas chinesas não teriam vindo para a Etiópia”, disse Abebe. Ele também questionou o valor do pagamento de US$ 26 por mês: “Esse é um salário básico, mas na Etiópia as fábricas também fornecem uma refeição no local de trabalho e outros serviços”.
A ânsia do governo em atrair investimentos estrangeiros levou-o a promover
o menor salário-base em qualquer país produtor de vestuário. O desafio de construir uma nova economia é muito complexo. E mais difícil ainda parece fazê-lo da forma correta. A África deveria aprender com os erros de outros países como China, Bangladesh e Cambodia em vez de replicar seus imperdoáveis desacertos.