Por Isabella de Almeida Prado
Nesse momento, em que pautas ativistas contra o racismo e machismo voltam a se fortalecer, é importante escutar quem, de fato, sofre com a exclusão. Hoje (15.03), a Praça Natura recebeu para uma palestra sobre apropriação cultural Djamila Ribeiro, uma das principais vozes do movimento feminista negro no Brasil. Djamila é pesquisadora na área de filosofia, tem uma coluna na revista “Carta Capital” e foi por seis meses secretária adjunta na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. Antes da palestra, ela conversou com FFW sobre ativismo na Internet, os negros e as mulheres na sociedade e na moda. “Acho que é uma indústria que ainda mantem muito na invisibilidade as pessoas negras, as modelos negras, sobretudo no Brasil, acho que são muito poucas”, acredita ela.
No ano passado você assumiu como secretária adjunta da Secretaria de Direitos Humanos. Quais foram as suas conquistas?
Foi pouco tempo, fiquei lá seis meses, mas foi importante tocar políticas que já existiam na Secretaria, como o Transcidadania, um programa voltado para a população travesti e transexual e os centros de LGBTs. Mas uma coordenação que eu trabalhei bastante foi a juventude e poder acompanhar e executar algumas políticas públicas para juventude negra, periférica. Pude levar esse olhar de como é importante trazer os grupos que sofrem mais nas relações de direitos humanos.
Você tem uma coluna na Carta Capital e é bem presente nas redes sociais. Como é fazer ativismo pela internet?
Não é fácil. A internet é um espaço importante para se escutar narrativas – já que, de modo geral, a mídia hegemônica ainda ignora as nossas pautas – e a gente consegue muitas vezes pautar essa mídia hegemônica com barulhos que começamos a fazer nas redes. Só que ao mesmo tempo ela dá voz para um monte de gente horrível, haters, que também a utilizam com o propósito deles para atacar as pessoas que estão lutando por direitos. Mas há um efeito positivo. Se a gente está incomodando muito, está surtindo efeito. Não se pode menosprezar nem subestimar a internet como uma ferramenta também de militância.
Qual é a sua relação com a indústria da moda?
Gosto, mas não sou muito próxima. Tenho até uma visão crítica sobre muitas coisas relacionadas à indústria da moda, sobretudo o tema que a gente veio debater aqui: a apropriação cultural. Acho que existe apropriação e alguns grupos acabam não sendo reconhecidos e não recebendo a fatia deles nessa fatia toda que gira e circula. Penso que é uma indústria que ainda mantém muito as pessoas negras na invisibilidade. As modelos negras, sobretudo no Brasil, são muito poucas. Os estilistas, as produtoras… Acho que é uma indústria que ainda legitima muito a exclusão da população negra em vários espaços e, portanto, precisa começar a refletir mais sobre isso, porque é um público consumidor que acaba não se vendo representado e se sente excluído. É importante falar não apenas de modelos. Não é apenas sobre quem veste a roupa, mas sobre quem pensa essa roupa, quem pensa nos conceitos e tendências também.
Além da apropriação cultural, outro tema que tem sido bastante abordado na moda é o feminismo. Muitas marcas se apropriaram do discurso como estratégia de marketing. Como você percebe isso?
Vivemos numa sociedade capitalista e é inevitável que algumas coisas sejam apropriadas. O que não é apropriado dentro do capitalismo? Mas ao mesmo tempo existe um barulho muito grande do movimento feminista que coloca em pauta certas questões. Acho demagogo quando isso é usado por uma empresa para vender, mas tais valores não se aplicam a ela própria. E nessa empresa, quantas mulheres trabalham? Contratam mulheres lá? Essas mulheres têm direito a licença maternidade? Não pode ficar só na propaganda e no marketing, tem de existir, de fato, uma mudança dentro desses espaços.
Quais mudanças práticas você vê acontecendo para as mulheres hoje?
A gente vive num país muito violento para mulheres – é o quinto do mundo que mata mais mulheres e o que mais mata travestis e transexuais, no topo do ranking. Precisamos avançar muito em termos de políticas públicas. Mas acho que a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio foram conquistas importantes, assim como termos começado a pautar esses temas dentro da universidade, ainda que de maneira muito incipiente. Conquistamos algumas coisas, mas no Brasil ainda falta muito. A gente não debate a questão do gênero como uma política pública, como de fato tem de ser. Acaba ficando um discurso muito de mulher branca da classe média que não percebe que as mulheres negras, indígenas são mais vulneráveis.
Além do que você publica na internet, que tipo de conteúdo você tem produzido?
Está no ar agora um programa que eu apresento na TV Futura, chamado Entrevista, totalmente temático, só sobre direitos humanos. Foram 14 entrevistados e entrevistadas. Entre elas, pessoas dos movimentos indígena e negro e pessoas contra a questão da ditadura militar. E agora em maio, vou dar um curso sobre a Simone de Beauvoir no Espaço Cult, em São Paulo.