Por João Lourenço, especial para a FFWMAG, dos EUA
No livro A Visita Cruel do Tempo, dois amigos de infância se reencontram e um deles questiona: “Basta eu passar alguns anos preso para a porra do mundo inteiro virar de cabeça para baixo. Todo mundo fala como se estivesse chapado, porque está mandando e-mails para outras pessoas durante todo o tempo em que está conversando com você. Que porra é essa?”.
A insatisfação do personagem tem nome: phubbing — gíria composta pelas palavras phone e snob. Significado: ESNOBAR. Basicamente, phubbing é o que eu, você e todos ao redor fazemos muitas vezes sem perceber: damos preferência ao celular e ignoramos a pessoa que está conosco.
O livro da autora Jennifer Egan explora, entre outros temas, essa ansiedade e desconforto que a tecnologia trouxe para o nosso dia a dia. Em um encontro com a escritora, perguntei do que ela mais sentia falta antes do smartphone tomar o mundo de assalto. Jennifer disse: “Sinto falta da sensação de estar realmente sozinha”. Ela contou sobre uma viagem que fez para a Europa, sem conexão instantânea com a família e os amigos: “Isso foi no começo dos anos 1980. Naquela época, se você quisesse ligar para casa, tinha que ficar na fila de um telefone público e, às vezes, quando chegava a sua vez, não encontrava ninguém do outro lado da linha ou, então, sinal de ocupado. Não tinha como deixar mensagem de voz, nada. Mas essa situação de isolamento gerou autoconhecimento. Esse isolamento, que não tem a ver com solidão, é uma parte essencial do ser humano”. Jennifer explica: “As pessoas não têm mais essa experiência. Estamos muito distraídos e presos em bolhas virtuais. Não estamos mais totalmente envolvidos com o presente e isso me preocupa”.
Para Sherry Turkle, socióloga e terapeuta comportamental do MIT (Massachusetts Institute of Technology), podemos mudar esse cenário de ansiedade e distração por meio da conversa, do bom e velho olho no olho. Sherry passou 30 anos observando como reagimos e nos adaptamos às tecnologias que alteram a nossa forma de comunicação. Em seu último livro, Reclaiming Conversation: The Power of Talk in a Digital Age, analisa a forma como as novas plataformas de comunicação online — SMS, Facebook, Instagram, Snapchat etc. — substituíram a conversa cara a cara que, para ela, é a coisa mais humana e valiosa que possuímos. “Estar presente e em sintonia com as pessoas ao nosso redor nos ensina a ouvir melhor os nossos pensamentos e a compreender o próximo. É nesse tipo de conversa que desenvolvemos nossa capacidade de empatia. Conversas geram autorreflexão. Mas hoje encontramos caminhos para fugir daquela conversa em que necessitamos estar presentes. Apesar de estarmos conectados todo tempo, nós nos escondemos uns dos outros.”
Ela observa que chegamos a um ponto em que “fugimos” até de conversas por telefone. Isso está moldando a imagem que mantemos de nós mesmos. Sherry insiste que encontrar pessoas para conversar e interagir ainda é uma das melhores maneiras de combater os sintomas da vida online. “Conversa aberta e espontânea, conversa em que discutimos ideias ou apenas falamos bobagens, nos permite estar presentes e vulneráveis. É nesse tipo de conversa que empatia e intimidade florescem.”
Abaixo, algumas pesquisas e situações que ajudam a comprovar a necessidade da vida off-line.
Olho no olho gera maior conexão emocional
Em um recente estudo publicado no Journal of Psychosocial Research on Cyberspace, amigos de faculdade da mesma idade foram convidados a se comunicar de quatro maneiras diferentes: tête-à-tête, bate-papo em vídeo, ligação telefônica e mensagem instantânea. Em seguida, o grau de conexão emocional nessas amizades foi avaliado em uma pesquisa que questionou como elas se sentiram após as conversas e por meio da observação do comportamento dos participantes. Conclusão: a conversa presencial apresentou o resultado de maior conexão emocional, enquanto mensagens instantâneas figuraram em último lugar.
Diploma em conversa
Pensando no quadro acima, algumas universidades já começam a oferecer programas de conversação. No livro Reclaiming Conversation, Sherry Turkle cita o exemplo de um jovem que se inscreveu para um desses cursos. Ele relatou que queria aprender a usar o telefone para fazer ligações em vez de utilizar o aparelho apenas para enviar mensagens. Disse que não queria passar uma vida inteira em silêncio. Sherry percebeu o mesmo desconforto em outros jovens. Segundo a socióloga, eles têm a sensação de que estão perdendo algo valioso, mas não sabem como se afastar de seus aparelhos. O mesmo está acontecendo com os pais desses jovens. Para Sherry, não se trata apenas de um problema geracional, mas social. “Cada nova tecnologia oferece uma oportunidade para perguntar se ela serve aos nossos propósitos humanos. Então, inicia-se um trabalho de tornar tal tecnologia melhor. No caso da tecnologia de comunicação, nós estamos apenas começando.” Sherry prevê um aumento em aplicativos voltados para a sociabilidade. “Às vezes, parece mais fácil inventar uma nova tecnologia para nos conectar em vez de simplesmente iniciar uma conversa”.
Detox digital
No Vale do Silício, empresas como Facebook, Twitter e Google já começaram a sentir o impacto dessas tecnologias na vida pessoal e na produtividade dos funcionários. Perceberam que eles estão mais frios, depressivos e desmotivados. Alguns CEOs incentivam os funcionários a se desligar do smartphone e, para isso, oferecem salas de meditação, ioga e palestras que têm como o objetivo diminuir o estresse e aumentar a produtividade. Algo deve estar errado mesmo quando até o maior centro de desenvolvimento de tecnologia mundial já percebeu que está na hora de desacelerar. Além do Vale do Silício, é comum encontrar empresas que oferecem pacotes de “detox digital” para os funcionários. Nos Estados Unidos, a Digital Detox é uma das empresas mais procuradas quando o assunto é “desacelerar”, oferecendo retiros em lugares remotos, em que os participantes, sem acesso à internet, são forçados a viver off-line. No manifesto da empresa, há fatos e números importantes: 67% dos usuários de smartphones verificam o aparelho mesmo quando ele não está tocando ou vibrando; duas horas diárias no trabalho são desperdiçadas na recuperação das distrações das redes sociais; o uso intensivo das redes sociais resulta em aumento da solidão, inveja e medo.
Espaços sagrados
Sherry diz que podemos começar esse tal “detox digital” em nossa própria casa. Ela sugere a experiência de uma noite ou fim de semana off-line — e, se possível, transformar esse hábito em parte da rotina. Sherry também defende que, se os pais aprenderem a controlar o uso desses aparelhos na vida dos filhos desde cedo, a criança vai aceitar essa atitude como uma base cultural familiar em vez de uma punição. Na biografia de Steve Jobs, o autor Walter Isaacson relata que Steve não permitia que os filhos utilizassem iPad e iPhone na mesa de jantar. “Todas as noites, Steve fazia questão de jantar na grande mesa de sua cozinha, na qual discutia livros, história e uma variedade de coisas. Ninguém nunca se atreveu a mexer em um iPad ou mandar mensagens de texto na mesa.”
Unitasking
Hiperconectados, nós nos imaginamos mais eficientes, mas isso, segundo Sherry, é uma ilusão. “O multitasking degrada o nosso desempenho em tudo o que fazemos, dando-nos a sensação de que estamos mais rápidos e espertos.” Uma pesquisa realizada em Londres revelou que, em média, verificamos 40 websites por dia, alternando de atividade 37 vezes por hora, mudando tarefas a cada dois minutos. A pesquisa também mostrou que apenas entre 1% e 2% da humanidade é capaz de realizar multitarefas. E não para por aí: para o resto de nós, quanto mais realizamos tarefas ao mesmo tempo, pior ficamos. A saída, de acordo com Sherry, seria o unitasking. “Focar em apenas uma tarefa é algo que libera e expande a nossa criatividade e produtividade. Focar em apenas uma coisa também diminui o estresse.”
Fale com estranhos
Não aceite nada de estranhos. Não converse com estranhos. Independentemente da cultura ou classe econômica, esses avisos costumam ser ouvidos por toda criança. Tudo bem, quando o assunto é criança, todo cuidado é pouco. Mas qual a desculpa para nós, adultos? A mesma cena se repete em trens, metrôs, ônibus, aviões, salas de espera e espaços públicos em geral: estamos grudados em nossa tela, equipados com fones de ouvidos, distantes. Na maioria das vezes, não percebemos o que está acontecendo ao redor. Em 2013, em São Francisco, teve um caso que ganhou repercussão nos jornais e levantou a discussão sobre os perigos da nossa falta de atenção. Um rapaz entra em um vagão do metrô e começa a brincar com uma arma. As câmeras de segurança mostram que ele até chegou a coçar o nariz com a arma. As pessoas que estavam no mesmo vagão só notaram a presença do homem armado quando ele atirou em outro passageiro. Essa e outras histórias levaram Nicholas Epley, pesquisador de comportamento social da Universidade de Chicago, a estudar os motivos do nosso isolamento em lugares públicos. “Na maioria dos casos, preferimos não socializar com indivíduos ao nosso redor por comodismo. Achamos que sentar sozinhos, sem falar com quem está ao lado, vai ser mais agradável que iniciar uma conversa.” A pesquisa de Nicholas não é a primeira a descobrir que interações com estranhos influencia nosso humor. Em 2012, outro estudo mostrou que sorrir e acenar para desconhecidos na rua faz com que as pessoas se sintam mais conectadas.
Nossos dispositivos oferecem uma contínua e infinita rede de informações, que exige menos trabalho do que interagir pessoalmente com amigos e pessoas próximas.“Nós não paramos de conversar, mas evitamos conversas que requerem atenção e dedicação. Sempre que você escolhe checar o seu smartphone em vez de estar atento às pessoas ao seu redor e ao que elas estão dizendo, você ganha uma dose de estímulo, isso é como um choque neuroquímico que te deixa bem por alguns segundos. Em consequência, você perde o que um amigo, pai, amante ou colega de trabalho disse e sentiu.” Apesar da seriedade do momento, Sherry escreve com otimismo e nos lembra que ainda há tempo de mudar. “Uma vez cientes, podemos começar a reatar nossas práticas. Esse é o grande desafio de nosso tempo: reconhecer as consequências imprevistas da tecnologia. Temos tempo para fazer as correções, para lembrar quem somos e o que realmente importa. Afinal, tecnologia ainda não nos oferece educação sentimental.”
+ Direto da FFWMAG
Entrevista com Eduardo Berliner
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