O assédio e o abuso sexual são como sombras escuras: estão sempre por perto, atormentando e deixando suas marcas, mas são difíceis de pegar e escapam pelas mãos. Sempre ouvimos muitas alegações e acusações tanto na indústria do cinema quanto na da moda, mas o poder e a fama dos acusados escondia os acontecimentos (que envolvem não apenas o abuso em si, mas guinadas e desmoronamentos de carreira).
Agora, pós Harvey Weinstein, os casos estão vindo à tona e respingou em três dos principais fotógrafos de moda do mundo. Terry Richardson, Bruce Weber e Mario Testino – este último, a joia da coroa, preferido entre muitas celebridades e editores.
Um grande artigo publicado neste domingo no New York Times traz aspas de modelos e assistentes que sofreram assédio de Testino e Weber. Eles revelam seus nomes e contam em detalhes as diversas situações pelas quais passaram.
A nudez faz parte do trabalho de um modelo. O que acontece é que a fronteira entre que tipo de tratamento é aceitável ou não, por muitos anos, nunca ficou muito clara. O que parecia claro, de fato, era que se você topasse, sua carreira poderia avançar. Basicamente, ou você aceitava e seria recompensado com uma carreira lucrativa ou rejeitava e destruía sua profissão. Alguns agentes até mesmo encorajavam seus modelos a seguirem em frente porque um fotógrafo poderoso poderia “fazer” sua carreira. Gene Kogan, que trabalhou como agente na Next de 1996 a 2002, disse: “se o modelo falava que não ia trabalhar com alguém como Bruce Weber ou Mario Testino, ele podia então arrumar suas coisas e ir fazer outra coisa”.
Dessa forma, fotógrafos passaram anos explorando sexualmente modelos e assistentes. O que antes era conhecido apenas como o preço que os modelos tem que pagar, hoje tem outro nome: assédio e abuso sexual.
A material foi capa do jornal e está causando grande repercurssão no meio. Em resposta às acusações, Anna Wintour disse que a Condé Nast irá dar uma pausa no relacionamento com os dois fotógrafos. No ano passado, a editora por trás de revistas como Vogue, Glamour, Vanity Fair e GQ, já havia vetado a participação de Terry Richardson em suas publicações.
“Se você quisesse trabalhar com Mario, tinha que fazer um ensaio nu no Chateau Marmont”, conta Jason Fedele, que apareceu em campanhas da Gucci nos anos 90. “Todos os agentes sabiam que esse era o tipo de coisa que fazia sua carreira avançar”. Fedele foi um dos 13 rapazes, entre modelos e ex-assistentes, que deram seus depoimentos ao New York Times.
Ryan Locke, outro modelo que trabalhou em uma campanha da Gucci fotografada por Testino, disse que ele era um predador sexual. No meio das fotos, Testino pediu para que todos saírem do set alegando que Locke não estava conseguindo entrar na história. “Ele trancou a porta, engatinhou na cama, sobiu em cima de mim e disse: ‘eu sou a menina, você é o menino’. Eu joguei a toalha nele, me vesti e fui embora”.
“Assédio sexual era uma realidade constante”, disse Roman Barrett, ex-assistente de Testino. Ele disse que o fotógrafo se esfregou em suas pernas com uma ereção e depois se masturbou na frente dele. “Ele se comportava assim em quartos de hotel, assentos de carros, vôos de primeira classe”.
Os advogados de Testino falaram que essas fontes não podem ser consideradas seguras, questionando a saúde mental de Hugo Tillman e dizendo que Barrett foi um funcionário frustrado. “Sim, eu fui empurrado, sobrecarregado, mal remunerado e sexualmente assediado diariamente. Por isso era frustrado”, rebate.
A primeira ação judicial contra Bruce Weber ocorreu no fim do ano passado, em uma acusação do modelo Jason Boyce.
Quinze modelos ouvidos pelo jornal disseram que Weber abusava da nudez em seus ensaios fotográficos. Os modelos eram chamados para sessões privadas, em que faziam exercícios de respiração tocando partes de seus corpos. “Eu me lembro dele colocar os dedos nos meus lábios e depois pegar meus genitais. Não fizemos sexo, mas muitas coisas aconteceram. Muito toque e molestação”, diz o modelo Robyn Sinclair.
Erin Williams trabalhou com Bruce Webber em campanhas para Abercrombie & Fitch e disse: “Ficar nu é apresentado como uma opção, mas não é. Os modelos que não ficam pelados são cortados no dia seguinte e os que ficam ganham mais diárias. E os meninos que socializam com Bruce em seu quarto de hotel após a foto, ganham as melhores campanhas”. Ela deu seu testemunho na Comissão de Direitos Humanos de Nova York.
Outro menino, Bobby Roaché, disse que saiu de um casting após o fotógrafo tentar colocar a mão dentro de sua calça. Ao relatar isso em sua agência, ouviu: “só isso ele fez? Você deveria ter ido além”.
Ao New York Times, o fotógrafo respondeu: “Eu usei exercícios respiratórios e fotografei profissionalmente milhares de modelos nus durante a minha carreira, mas nunca toquei ninguém indevidamente. Dado o trabalho da minha vida, essas alegações falsas são realmente desanimadoras. Eu tenho fotografado por mais de 40 anos e tenho o maior respeito por todos os que já fotografei. Eu nunca tentaria ferir ninguém ou impedir o sucesso de alguém. Eu não sou assim.”
Um relato do produtor Thomas Hargreave mostra exatamente como a situacão se dá e como os modelos reagem. Ele conta ao jornal: “eu vi Mario com suas mãos nas calças de meninos pelo menos umas 10 vezes. Ele se comportava assim, como se fosse uma grande brincadeira. Mas não era engraçado e os meninos que se encontravam nessa situação não sabiam como reagir. Eles olhavam pra mim como se perguntassem: ‘o que está rolando? O que eu faço?’. Era horrível”.
As agências devem proteger seus modelos e as marcas não podem mais trabalhar com profissionais que tenham essa conduta. Os modelos (meninas e meninos) entram na profissão muito cedo e seu desejo por sucesso, muitas vezes, os tornam incapazes de reclamar. Tudo parece uma grande brincadeira, você está rodeado por pessoas importantes, que podem transformar sua carreira e oferecer um estilo de vida glamouroso e animado. Mas você ainda não conhece as regras. Você é pego de surpresa e precisa fazer uma escolha naquele minuto. E assim, anos e anos de abuso ocorrem sem que nada aconteça. Até agora.