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    Baiano, gay e estilista: por que o esquecimento de Ney Galvão diz muito sobre o Brasil

    Por Luis Fernando Lisboa

    Baiano, gay e estilista, Ney Galvão teria completado 70 anos em 11 de janeiro de 2022. Além disso, o dia 15 de setembro de 2021 marcou os 30 anos de sua morte. Ele era uma figura solar, que sintetizava alguns dos tantos ‘Brasis’ para o qual o “Brasil oficial” não quer olhar. Num país conservador, num Governo de posturas reacionárias, é compreensível que a criatividade dos trópicos e a energia acolhedora, feminina, de Galvão não sejam lembradas. Por alguns anos, na década de 1980, telespectadoras do Brasil ouviram uma afetuosa despedida todas as manhãs: “um cheiro com sabor de dendê”. Era Ney Galvão (1952-1991), baiano que virou estrela nacional quando substituiu o polêmico Clodovil Hernandes (1937-2009) no programa TV Mulher, exibido de segunda a sexta-feira, a partir das 8h, na Rede Globo. Passou a encabeçar a atração ao lado de Marília Gabriela, e também Marta Suplicy, que comandava um quadro sobre educação sexual.

    Ele também provocou a dita “moda brasileira”, tida como eixo do que há de mais “internacional” no Brasil, e o resultado está aí: um mercado autorreferente, que só agora começa a despertar para a urgente necessidade de se pensar uma perspectiva diversa para a moda. Seguindo um caminho aberto pela mineira Zuzu Angel (1921-1976), Ney Galvão usava matérias-primas e tecidos vistos socialmente como “nacionais”.

    Ney Galvão e Marília Gabriela no programa TV Mulher / Foto: Memória Globo

    Ney Galvão e Marília Gabriela no programa TV Mulher / Foto: Memória Globo

    Filho caçula do casal Aristides de Souza Pinto e Laurinda Galvão Pinto, nascido em 1952, na cidade de Itabuna (BA), ele viu nas roupas e rituais de arrumação das irmãs a atração para a moda. O próprio Ney conta na revista Manequim – Especial Tricô (s/a): “Como meus irmãos eram maiores, tive mais entrosamento com minhas três irmãs. E talvez daí venha o interesse por moda. Ficava fascinado com as roupas delas, aquelas blusas tipo ‘Gilda’ [1946], dava palpites. E eu também andava na última moda”.

    Um perfil publicado pela Folha de S. Paulo, em 28 de junho de 1981, lembra que, no começo da década de 70, Galvão emendava panos de prato para fazer um vestido: “não tinha dinheiro para comprar tecidos. Mas vocação tinha pelo menos desde os 7 anos de idade, quando desenhava roupas de bonecas que a irmã de criação vendia para as amiguinhas”.

    Estilo Ney Galvão

    Ele marcou um estilo na moda brasileira, chamando para si a síntese do “verdadeiramente baiano”. “A Bahia tem afrodisíaco, misticismo, o candomblé, a religião que dá à mulher um algo a mais”, afirmou. A Folha de S. Paulo, na matéria “Um doce jeito baiano de vestir”, diz que, aos 29 anos, ele era “o único figurinista que está com a Bahia e não abre”: ‘mostrei que santo de casa faz milagre’, Ney declara no texto.

    Disposto a exibir temáticas nacionais, como orixás e índios do Xingu, Ney Galvão se lançava ao risco numa cena que privilegia tendências de inspiração europeia. Ao lançar uma coleção de verão com a estamparia Trufana, ele escreve o texto “O Fazer Moda”:

    “E, foi pensando em estilo que criei essas estampas brasileiras, cheias de raízes e valorizadas pelas nossas lendas, histórias e frutos tropicais. Imagens e formas, onde flores, folhagens e grafismos se completam para o nosso layout de um novo verão. Nessa coleção, lanço ainda minha marca definitiva: a sereia. Mãe de ouro, deusa da beleza e do amor, sempre espalhando o seu encanto, feitiço e fascínio. É mar, terra e ar. É aí que a gente se encanta e se perde. É moda, é Brasil”.

    Modelos usam peças em homenagem a Carmen Miranda na Revista VEJA (7 de março de 1984) / Foto: Reprodução

    Modelos usam peças em homenagem a Carmen Miranda na Revista VEJA (7 de março de 1984) / Foto: Reprodução

    O estilista buscava uma referência mítica feminina, vinculada ao mar, para valorizar aspectos da sua criação: babados e plissados em vestidos ajustados (ou mais rodados) com bastante tecido. Ele chama esse traço de “marca sereia”, com peças afuniladas a partir do quadril. Vale lembrar que, no candomblé, a figura de Iemanjá é presentificada como uma sereia, de modo geral. Certamente, o encanto por atrizes hollywoodianas também influenciou esta marca, já que Galvão buscava referências nos figurinos e corpos de mulheres como Rita Hayworth, Marilyn Monroe e Marlene Dietrich.

    Outros traços das coleções de Galvão nos anos 70 e 80 são as ombreiras, principalmente em tailleurs; os decotes, fendas e vazados estratégicos, exibindo partes do corpo feminino; além de uma paleta de cores que optava pela dobradinha preto x branco, e abusava de várias cores exuberantes, como vermelho, roxo e laranja.

    Realizações 

    Durante a carreira, o baiano realizou palestras, conferências de moda e desfiles beneficentes, diversificando a atuação no mercado. Foi o primeiro estilista a assinar uma coleção em parceria com uma fast fashion nacional: a Riachuelo. Com a rede Óticas Teixeira, da Bahia, produziu, em 1984, óculos de sol e de grau, com materiais como casco de tartaruga e hastes banhadas a ouro, além das estrelas ao lado da sua assinatura – como fazia em alguns croquis.

    Em 1985, a marca de joias H. Stern comemorou 40 anos num show-desfile, realizado na Bahia, “com figurinos de Ney Galvão, representando a moda das décadas de 20 a 80, com joias de diversas épocas” (A TARDE).

    Capa da revista Moda Festas / Foto: Reprodução

    Capa da revista Moda Festas / Foto: Reprodução

    Em 1988, Ney Galvão lança uma revista em parceria com a Editora Europa (seriam três edições no total) e, em 1989, faz uma grande apresentação para a colônia judaica de São Paulo, no Ópera Room, homenageando os índios do Xingu. Para o último desfile, realizado em 7 de agosto de 1990, numa parceria com a marca Donatelli, Galvão planejou uma coleção com tecidos de decoração (sofás, poltronas e cortinas)

    Ney Galvão morreu, em 1991, vítima do avanço de um câncer no estômago, mas também estava contaminado pela Aids, vírus que se tornaria um dos grandes tabus nos anos 1980 e 1990, se estendendo numa acelerada retração dos direitos das pessoas LGBTQIA+. Em tempos de pandemia, vale lembrar que o preconceito sufocante contra a Aids segue até hoje, com a consequente marginalização de todas as grandes figuras públicas LGBTQIA+. Vácuos de nomes como Ney Galvão na memória brasileira só se explicam por uma seleção social.

    Luis Fernando é jornalista e mestre em cultura e sociedade pela Universidade Federal da Bahia.

    Os textos de colaboradores não refletem necessariamente a opinião deste site, sendo de total responsabilidade do autor.
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