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    Banda Noporn fala ao FFW sobre novo álbum Contra Dança

    Banda Noporn fala ao FFW sobre novo álbum Contra Dança

    POR Redação

    Por Dimas Henkes

    Em uma das tardes mais quentes do verão de Lisboa, desço a rua na contra mão e encontro Liana Padilha e Lucas Freire para conversar sobre o novo trabalho deles, Contra Dança, que recebi alguns dias antes para escutar. Entre áudios e mensagens online, entendi que precisávamos do físico-presente para encontrar palavras e descrever esse novo e surpreendente trabalho. Foi assim, então, que entrei no universo musical deste novo capítulo dos 20 anos de carreira de Noporn

    Nessas duas décadas, a noite sempre foi um dos personagens principais da poesia de Liana, mas agora as letras encontram nos instrumentais de Lucas Freire uma sonoridade solar inspirada na House Music, no Funk Carioca e outras vertentes da música eletrônica. O álbum conta uma história crescente. Ouriços, a intro do álbum, aguça a curiosidade do ouvinte para entrar no novo universo sonoro apresentado, mas há uma ramificação de narrativas entre Adoro Djs e Drinks Ruins que separa um “aquecimento” e nos coloca diretamente em uma “festa”. A Boca E Mais Nada mostra a paixão que a dupla tem pela explosão de ritmos na pista de dança. Para finalizar, Nome Sujo é a volta pra casa com aquele deleite de deitar na cama acompanhado de prazer.

    Entre cada música há uma ruptura abrupta de sensações. E isso me faz lembrar do dia a dia da hiper-informação. Ao mesmo tempo que dançamos com o novo hit da Beyoncé em seguida nos deparamos com um documentário de assassinato. Não há mais tempo para respirar e precisamos dançar contra esse movimento. Ao escutar Contra Dança, percebi que a poesia e os novos ritmos apresentados me impunham uma nova rebelião. A rebelião queer da dança: agora o que nos resta é riscar o fósforo e torcer pelo fogo. Um sentimento imediato que entorpece. Como a própria Liana canta, “pega toda poesia e engole com água”. Quem sabe, assim, podemos nos salvar.

    Esse álbum celebra 20 anos da carreira de Noporn e também marca uma revolução sonora em que a poesia se encontra com novas possibilidades de produções musicais. Quais foram os seus espelhos para criar esse novo capítulo?    

    Liana: Em 20 anos muita coisa mudou, inclusive nós. Eu, o Luca Lauri, que foi meu parceiro nos primeiros 15 anos e o Lucas Freire nos 5 até aqui, também mudamos. As festas, a noite e a música, o clima, e a forma de se divertir, mudaram também. Hoje eu ouço outras coisas, frequento outras festas e é natural que a produção poético/musical do Noporn, tenha mudado também. Estamos todos sempre em movimento. 

    Na essência, o que não muda, é a vontade de contar histórias do nosso tempo. Se o Noporn tivesse parado no Electroshock do começo desse século, a gente seria um projeto de revival, ou saudosista. 

    O primeiro disco é o que sentíamos e vivíamos naquele momento. Electro no sentido do que rolava naqueles tempos, fala de sexo casual, hedonismo, vaidade, drogas e nightlife., fala de ir pra noite, fazer parte de um grupo de loucos que se espremia num clubinho no centro de SP, pra suar e dançar com seus amigos até o dia nascer.

    Seguimos na noite brasileira, como DJs que faziam festas e mostravam suas produções na pista.

    O segundo álbum, BOCA, lançado longos 10 anos depois, fala de um momento mais amoroso, de tipos de amor/paixão. Do sexo como experiência libertária e troca de prazer, não mais um prazer adolescente de só seduzir, mas uma sedução mais adulta, rsrs.

    Estes dois discos foram feitos com Luca Lauri. Em 2018, ele quis seguir outros rumos profissionais e o Lucas Freire começou a produzir comigo. 

    Os discos SIM e agora Contra Dança, foram criados por nós dois (eu e Lucas Freire). São com livros, trabalhos artísticos que contam histórias de pessoas que amam a noite e a dança. Encontramos na música eletrônica a melhor forma de expressar isso. Um tipo de celebração grupal. Uma linguagem. E cantar em Português faz parte disso.

    O que não muda na nossa poética é a observação dos movimentos amorosos e dos códigos da NOITE, com seus jogos sexuais e seduções e as múltiplas formas de sexualidade. Afinal, o Noporn nasceu disso, da liberdade sexual, da orgia, da festa e da vontade de ser quem a gente é, mesmo que num clubinho, numa noite qualquer de uma cidade qualquer do mundo.

    Lucas: Eu entrei para o Noporn pulando num trem em movimento. Mas não no sentido de quem segue uma receita. Estamos recriando a paisagem sonora do grupo, partindo de sonoridades que já existiam nos álbuns anteriores, mas nos permitindo sonhar com alguma descoberta além das próprias referências. Fizemos isso em “Sim”, de uma forma bem lenta e atenciosa, começando a experimentar com outros instrumentos e outros sentimentos. Isso foi durante a pandemia, foi um trabalho feito em sua maioria durante o isolamento e também foi a primeira vez em que eu assumi toda a produção de um álbum. Agora, em “Contra Dança”, depois de rodar pelo Brasil e pela Europa com o álbum anterior, depois de voltar para uma vida que já não é a mesma, sentimos nossas intuições serem incentivadas e potencializadas. Tudo é para agora. Levamos a criação instrumental e lírica mais para dentro dos nossos sonhos; são sonhos de euforia e muito suíngue, de poesia viva e urgente, são os quadros vivos que as nossas mentes projetam e palavreiam constantemente sobre o mundo que habitamos. Sobre os nossos encontros pessoais, visões, amigos, desejos, sobre as nossas cidades, os lugares que frequentamos e os caldos que lá se criam. As músicas que ouvimos na rua e em casa servem de trampolim criativo para dar saltos rumo ao inalcançável: no trajeto a gente encontra muitas coisas. Vamos juntando tudo e combinando arranjos, soltando idéias, criando sons. “Contra Dança” foi um rompante criativo, com um tempo curto estabelecido para edições e pós-produções – quisemos capturar algo cru em nós. Foi um processo muito bom e intenso, vivido entre cidades diferentes e envolvendo diferentes e importantes parcerias para a realização do projeto. Estamos muito felizes com o resultado e somos muito gratos a cada pessoa que colaborou conosco nesta construção.

    Recentemente, vocês me falaram sobre a inspiração no poeta Roberto Piva. Qual é a sua relação com ele e outros poetas com linguagem mais surreal e delirante? 

    Liana: Eu me inspiro na poesia, vejo a poesia como o Sonho. Meu pai é poeta, cresci decorando poesia e letras de músicas. Sempre gostei de escrever e ler coisas em voz alta. Sempre falei muito, gosto de palavras e gosto da minha voz. 

    Adoro Manoel de Barros, Caio Fernando Abreu, Hilda Machado (thanks Bruno Mendonça), Roberto Piva, que eu conheci porque o Thiago Pethit me mostrou e a identificação foi imediata. Amo Maiakovisk , Walt Whitman, Sylvia Plath. E Manuel Bandeira, e Vinícius e Clarice e Cecília e Maria Isabel Iório e Cazuza. E também poetas do movimento e do visual, amo Zé Celso e o Teatro Oficina. Eu penso poeticamente e tudo é alimento pro que escrevo. O Noporn é um projeto de arte contemporânea, eu e o Lucas também somos artistas plásticos. É tudo sobre expressão e poesia em diferentes suportes.

    Lucas: Tive meus momentos com alguns destes autores e também outros. Tive contato com obras delirantes e instigantes que me angustiaram criativamente e me provocaram movimento. Poetas e cronistas dos botecos, da geração beat, também autores do universo criativo acadêmico. Henry Miller, Anaïs Nin, Reinaldo de Moraes, Aldir Blanc, Gaston de Bachelard, Abdias do Nascimento, Kandinsky e, é claro, Liana Padilha.

    Há uma ligação forte com dança e rebelião nas letras e no próprio nome do álbum. Qual ato de rebeldia você quer que o seu público sinta?  

    Liana e Lucas: Acreditamos que mudanças são feitas em momentos de crise, imagina que nós brasileiros, estamos em crise desde quando a terra dos indígenas foi encontrada até hoje. Nós nascemos com o DNA da revolta e da rebeldia. Somos mestiços de todos os povos que um dia habitaram nossa terra.

    Queremos que as pessoas sejam livres e não dependam da aprovação de governos ou de religiosos para isso, essa é a utopia. A dignidade humana, a liberdade e a possibilidade de “uma vida menos ordinária”.

    Acreditamos num tipo de “terrorismo artístico”, que é algo próximo à liberdade dos carnavais. 

    No nosso mundo criativo, não há uma mensagem codificada, tudo é indefinido e transitório até a hora em que as músicas ficam prontas. Depois disso, vamos nos descobrindo também e juntando peças nesse quebra-cabeça sem bordas. Convidamos o público a vir conosco e, quem sabe, encontrar a sua revolta e sua vontade de viver. Acreditamos numa sexualidade fluida e livre, sem compartimentos proibidos ou segregados.

    capa de "contra dança" foto: Gleeson Paulino

    capa de “contra dança” foto: Gleeson Paulino

    Qual Brasil vocês representam em Contra Dança?

    Liana e Lucas: A gente vem de um Brasil Bizarro, moramos em São Paulo, a quadras da “Cracolândia”, que já tem mais gente que muitas cidades do mundo. Lá as pessoas comem lixo. E somos cariocas, então passamos partes das nossas vidas também vivendo perto de praias e belezas exuberantes, nos alimentando de uma vibração humana muito otimista e resistente.

    Viemos de um país Rico/Pobre, onde uma distribuição de renda completamente injusta, cria mundos paralelos discordantes e transforma tudo em feiura e miséria. Onde os mais ricos podem passar férias em lugares lindos e na volta se fechar em grades e privilégios. 

    Fazemos música num quarto da nossa casa, o trem passa na janela. Tudo contrasta. Lançamos as músicas de nossos computadores para o mundo, falamos de um micro mundo pro Mundo “real”. 

    Vocês estão vivenciando o lançamento de um álbum brasileiro diretamente de Lisboa. Qual é o sentimento de estar longe do Brasil nesse momento? 

    Liana e Lucas: Aqui, entendemos um pouco mais sobre o Brasil e como somos uma cópia grotesca dos colonizadores. 

    Um país de pretos, índios e mestiços que teima em se achar “Branco” e perpetua o racismo.

    De fora, vemos povos que usaram e roubaram outros povos, escolhendo quem tem direito de viver no país deles. 

    Nessa bolha de absurdos que tomou conta do Mundo, o Brasil têm que voltar a ser parte do Mundo “real”, mesmo que o mudo real esteja mal também. 

    A gente vive num país desigual, onde há ignorância como resultado da fome e da falta de oportunidades, temos um líder de governo boçal e sem sentimentos, que persegue a cultura e os jovens. O Brasil virou uma piada triste.

    Ainda que as nossas festas sejam mais animadas, e nosso povo tenha mais borogodó e a sexualidade ainda seja mais livre no seu âmago, vivemos num país doente.

    É nesse parêntese que nasce a poesia pro Noporn. Porque a música e a poesia salvam e a dança cura.

    Nos últimos anos nosso país deu uma guinada rumo a um obscurantismo que ninguém sabe quantos anos vai demorar pra voltar a um mínimo de respeito às liberdades individuais, ao cuidado com o outro, à não-violência… Sonhamos com um dia em que as crianças vão aprender sobre sexualidade nas escolas e não na pornografia e onde possam aprender a se proteger de abusos. Onde mulheres não sejam tratadas como seres inferiores, abusadas e vítimas de violência, e que possam andar nas ruas e existir sem medo.

    Nós continuamos pensando que enquanto tratarem o sexo e as sexualidades como pecado ou culpa, mais crimes e violências vão acontecer, mais gente perversa vai ser poderosa.

    Em seguida vão começar uma turnê em seis países europeus, incluindo o lendário club Berghain, em Berlim. O que esperam desses shows? Existe a possibilidade de uma turnê brasileira nos próximos meses?

    Liana e Lucas: Estamos muito felizes e animados, trabalhando duro e ensaiando todos os dias mesmo com o verão europeu gritando do lado de fora. Temos muito tesão de contar nossas histórias, de trazer um pouco do nosso mundo para o Mundo.

    Vai ser emocionante tocar em tantos lugares e ser recebido por públicos diferentes que gostam da nossa música. 

    Não temos uma turnê brasileira programada, mas já temos algumas datas em eventos no fim do ano no Brasil.

    PS: Estamos prontos e abertos a convites de shows no Brasil a partir de novembro.

    Dizem que poetas são profetas. O que vocês pensam do futuro?

    Liana e Lucas: O Brasil é o absurdo criado por anos de opressão e roubo, um país onde a escravidão nunca acabou e onde aprendemos tudo isso: a ganância, a malandragem, o abuso. Não aprendemos isso com os indígenas nem com os escravizados, mas com os próprios colonizadores. Um país onde alguns povos que foram aceitos como imigrantes, fugidos da pobreza e da guerra, hoje perpetuam o racismo e a ignorância; se vêem à parte dos Brasileiros… 

    Nós também somos parte dessa mistura violenta, e se estamos aqui falando isso já é por termos tido algumas oportunidades. Nosso futuro será o resultado do agora; da forma como estamos lidando hoje, em nível coletivo e individual, com tudo isto.

    Ao mesmo tempo crescemos num país pós-ditadura, onde aprendemos a ser livres, onde tudo é mais intenso, onde as festas são muito mais animadas, as pessoas são mais soltas, mais quentes e vivenciamos juntos alguns respiros de liberdade. Isso ainda nos dá esperança de dias melhores no futuro.

    arte: Gabriel Braga Lima

    arte: Gabriel Braga Lima

    O que vocês mais gostam de ver nas pistas das noites de shows? 

    Liana e Lucas: Gostamos de ver as pessoas se expressando livremente, sendo o que são e se empoderando disso. Gostamos que elas estejam entregues ao momento, fluindo na pista com as nossas ondas sonoras… 

    Nosso público favorito é o dos clubes e inferninhos, rodeados de pessoas e sonhos, onde o que mais importa é ouvir, sentir e dançar a música junto com outras pessoas. Também gostamos de palcos, mas tem uma conexão mais clara de delírio e prazer nos ambientes dos clubs, que é onde nascem a maioria das nossas histórias. Gostamos desse retorno imediato, de cozinhar no meio do salão

    Liana complementa: Pessoalmente prefiro estar no meio da festa, dançando junto com as pessoas do que como a “Diva” inalcançável no palco… distante. Gosto de ver todo mundo dançando junto e não me cultuando, porque me sinto parte do show, não “O Show”.

    Quem você quer ver dançando Contra Dança? 

    Liana e Lucas: Todo mundo, que é livre e feliz. 

    Falamos pra um pequeno grupo que pensa, que usa a liberdade como arma de luta, que se arrisca a assumir seus desejos e se cura nas pistas de dança.

    Um grupo de pessoas livres, que faz sexo gostoso, que não se preocupam com rótulos e são felizes porque não julgam os outros. 

    Os ecos dessas pistas estão para além da boate física. Sentimos que em “Contra Dança”, a narrativa musical que propusemos extrapola para o sonho, para o abstrato. Esperamos fazer as pessoas dançarem e também sonharem.

    Contra Dança é um convite à liberdade, ao não conformismo com a boçalidade e o vazio emocional. Se tudo está ruim, vamos na Contra Dança.

    Por fim, a música eletrônica e a cultura clubber vem ganhando cada vez mais espaço na música pop. O que você acha desse movimento? É cada vez mais preciso dançar? 

    Liana e Lucas: A cultura clubber sempre foi pop, alguns artistas pop é que descobriram isso agora. 

    E como já disse nossa Diva pop e “proto clubber” Rita Lee, a gente sempre tem que “dançar pra não “dançar”. 

    Dançar é importante, dançar é puro sexo em grupo, seja em ambientes de música pop ou não. É imprescindível para nosso equilíbrio. Se esse movimento for verdadeiro, vai ser bom ver os efeitos disso. 

    Quanto mais gente nas pistas, mais experiências, mais trocas, mais sorte é gerada para o mundo.

    Lucas Freire e Liana Padilha. foto: Gleeson Paulino

    Lucas Freire e Liana Padilha. foto: Gleeson Paulino

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