A moda faz parte de nosso cotidiano e ela fala sobre nossas vivências como indivíduos sociais (quanto a isso não há dúvida). Mas e quando a moda fala de uma perspectiva coletiva que não pertence aos grandes centros? Essa é a reflexão que move o fashion film experimental O Sonho Periférico , lançado no dia 8 de dezembro no YouTube.  Ele faz parte da série “Ancestrais do futuro”, que é uma criação do CineQuebrada com coletivos periféricos de diferentes regiões do Brasil para promover temáticas que permeiam a vivência na periferia. 

Nesse curta, a história se passa em um campo de futebol, em que dois meninos, depois de assistirem duas pipas se entrelaçando no ar como o símbolo Ying-Yang, são teletransportados para um estúdio. Eles vestem peças da coleção anual da MileLab, que será lançada em 2023, enquanto se escuta um manifesto sobre a busca de desejos e sonhos por jovens da periferia.

A voz que narra é a de Wes Xavier (também conhecido como Ogum Doce), pesquisador periférico e diretor do curta, que teve como premissa lançar uma reflexão social a partir do calçado. “Um dia, no Brasil, não ter um calçado marcava a ausência da liberdade de nossos ancestrais. Hoje, trabalhamos tanto em busca de uma vida segura e de sermos reconhecidos como parte da sociedade que aprendemos a voar”,  diz o idealizador na sinopse. 

O processo de direção criativa começou no início do ano, em uma pesquisa etnográfica que Ogum Doce fez sobre o cotidiano e modas periféricas em São Paulo. Esse trabalho resultou em muitas referências imagéticas que deram a estrutura necessária para a criação da narrativa que ele apresenta no filme, em que o corpo periférico aparece como protagonista de uma história sobre sonhos.

O sonho, no filme, é representado pelo tênis que gira no céu. A peça simboliza os resultados da pesquisa que o pesquisador e cineasta fez: “A conexão com o tênis mostra a importância dos calçados para os periféricos. A questão do tênis representa como a periferia consome moda, já que o tênis é um dos elementos que permite que o periférico construa as interações nos espaços de sociabilidade”, comenta o diretor para o FFW. 

O tênis, feito em 3D, é inspirado no modelo Wave Prophecy Pro 1 da  Mizuno, um fenômeno nas periferias de São Paulo. As linhas que definem a silhueta do modelo foram retiradas e a logo foi substituída por um ponto de interrogação, que carrega consigo um questionamento sobre o por quê o consumidor periférico não é notado pelas marcas.

A COLLAB COM A MILELAB

Junto de Ogum Doce, quem auxiliou na produção de moda foi a designer Milena Nascimento, CEO e estilista da MileLab. As roupas apresentadas no segundo cenário do filme fazem parte de um breve spoiler do que está por vir na próxima coleção da marca para o ano de 2023, em que Milena revisita elementos de bailes de ruas de São Paulo e a ligação da espiritualidade com o submundo das periferias. 

Bermudas cargo e blusas com mais de um capuz ganham um toque de grife pelas mãos de Milena, que sonhava em fazer essa coleção há mais de um ano. 

“Buscamos construir algo grande, inédito e histórico para a moda marginal.  E o filme basicamente retrata nossa capacidade de sonhar e construir nossa realidade a partir do imaginário”, comenta ela.  A coleção será vendida através das redes sociais da MileLab ainda no primeiro semestre de 2023.

Tanto o filme, quanto a coleção representam a celebração da conquista e realização de corpos periféricos, que enquanto artistas dos seus rolês não desistem de seus sonhos e fazem acontecer com o que se tem em mãos.