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    Cami Talks: Filtros de redes sociais são para nos divertir ou derrubar?

    A busca obsessiva por um um rosto ideal que nem sequer existe na vida real

     

    Cami Talks: Filtros de redes sociais são para nos divertir ou derrubar?

    A busca obsessiva por um um rosto ideal que nem sequer existe na vida real

     
    POR Camila Yahn

    Outro dia precisei fazer um vídeo selfie e recorri ao story por causa dos filtros. Procurava por um fundo divertido para substituir minha entediante parede branca. Passei muito mais tempo tentando achar um filtro do que fazendo o video em si. Não encontrava um que não me deixasse com cara de boneca, de princesa da Disney, de uma versão digital lúdica e escapista de mim mesma.

    Na paralela, tenho visto muita gente postando um sem fim de selfies com filtros que tornam seus olhos azuis, suas bocas mais carnudas, as bochechas salientes, seus olhos maiores e sua pele mais lisa que bum bum de bebê.

    E aí a plataforma de conteúdo contente.vc postou sobre um livro que aborda justamente esse assunto. Com o título O Instagram está padronizando rostos?*, a autora Camila Cintra faz uma investigação sobre essa padronização irreal – e surreal – que temos visto nas redes sociais e o impacto que isso tem na auto-estima e na saúde mental das pessoas com resultados, como podemos imaginar, não muito bons.

    O que ocorre é que a realidade inventada dos filtros tem mexido com os sonhos e desejos das pessoas. Eu lembro de desejar, quando era adolescente, que meus olhos fossem verdes. Especialmente em tempos de pandemia, mas não apenas, é através dos apps que a gente se relaciona e interage com o outro. E nesse ambiente, eu posso ter olhos verdes.

    Claro que me vendo devidamente “filtrada” eu chego a pensar: “nossa, se eu fosse assim, hein… Com esse cílios alongados, essa pele lisinha, esse olho cor de mar”. Só pra constar que eu entendo o apelo dos filtros, o cansaço que sentimos da gente de vez em quando, a vontade de ser sempre uma versão melhorada. Tem uma música que eu adoro/ É Dancing in the Dark, do Bruce Springsteen, que é de 1984, mas poderia ter sido composta hoje:

    I get up in the evenin’
    And I ain’t got nothin’ to say
    I come home in the mornin’
    I go to bed feelin’ the same way
    I ain’t nothin’ but tired
    Man, I’m just tired and bored with myself
    Hey there, baby, I could use just a little help

    I check my look in the mirror
    Wanna change my clothes, my hair, my face
    Man, I ain’t gettin’ nowhere
    I’m just livin’ in a dump like this
    There’s somethin’ happenin’ somewhere
    Baby, I just know that there is

    Mas se levássemos isso apenas na diversão e ficássemos só nos filtros… O problema maior é que essa “dismorfia de selfies” está levando a um descontentamento real, uma busca obsessiva por uma perfeição que nem sequer existe na vida “real”. As pessoas estão procurando cirurgias cosméticas ou ajustes temporários (isso existe) para afinar o nariz, aumentar os olhos, mudar o formato do queixo. E isso vale para todos os gêneros.   

    Um artigo publicado no The Guardian traz aspas do médico que cunhou o termo “dismorfia Snapchat”. Tijion Esho, fundador das clínicas Esho na Inglaterra, diz que houve uma mudança nas referências que os pacientes trazem na hora de encomendar uma mudança cosmética. Antes eles traziam retratos de celebridades; agora trazem fotos de si próprios, sob efeito de filtros, e dizem: “eu quero ficar assim”.

    O jornal médico americano JAMA Facial Plastic Surgery sugeriu que as imagens filtradas “borrando a linha da realidade e da fantasia” podem estar desencadeando o transtorno dismórfico corporal (TDC)**, um problema de saúde mental em que as pessoas se fixam em defeitos imaginários em sua aparência.

    Eu não quero ser assim!

    Eu não quero ser assim!

    O que está por trás dessa corrida em busca de uma outra versão de você mesma? As motivações vão desde buscar status social até livrar-se de pensamentos depressivos e baixa auto-estima.

    Um estudo apontado pelo jornal mostra que apenas em 65% das vezes as pessoas reconhecem imagens manipuladas, o que colabora para criações de “expectativas irrealistas do que é normal”, levando a auto-estima das pessoas ladeira abaixo. No Reino Unido, cirurgiões disseram que a motivação de 55% dos pacientes era ficar melhor em selfies – em 2016, apenas 13% tinham essa motivação.

    Os próprios médicos apontam o clã Kardashian como aceleradoras desse fenômeno, com cirurgiões oferecendo o “pacote Kylie” nos consultórios. A lei da demanda e da oferta ultrapassando os limites.

    Os filtros podem ser apenas uma brincadeira divertida, um vislumbre de outras realidades, mas é preciso usar de maneira moderada. Celebridades e influenciadores devem avisar quando fazem uso deles para não causar expectativas irreais em seus fãs e seguidores.   

    Inclusive, na Noruega, uma nova lei entrou em vigor exigindo que influenciadores informem caso suas fotos tenham sido transformadas por filtros ou apps de edição para “reduzir a pressão nos mais jovens sobre a aparência de seus corpos”. Segundo o site do governo norueguês, a ideia da lei é ajudar a aliviar a pressão gerada por “pessoas idealizadas na publicidade”.

    Já usamos filtros suficientes no dia a dia: vestimos roupas, passamos maquiagem, pintamos os cabelos. Vale cobrar que os desenvolvedores sejam mais criativos e menos óbvios. Vamos cuidar da nossa saúde, gostar mais de nós mesmos e usar os filtros para nos divertir e não para nos derrubar.

    *Livro O Instagram está padronizando os rostos?, de Camila Cintra ( ed. Estação das Letras e Cores)

    **O que é Transtorno Dismórfico Corporal

    O termo Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) descreve uma preocupação incapacitante por um ou mais defeitos percebidos ou falhas na aparência que são imperceptíveis para os outros. Pode afetar todos os gêneros e tornar os pacientes excessivamente constrangidos. Busque ajuda profissional caso você se encaixe nessa descrição.

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