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    Cami Talks: Por que a moda é vista como fútil?

    Uma reflexão sobre o que afasta tantas pessoas da moda e a torna frívola

    clientes e formadores de opinião na primeira fila de um desfile em Paris. foto: reprodução

    Cami Talks: Por que a moda é vista como fútil?

    Uma reflexão sobre o que afasta tantas pessoas da moda e a torna frívola

    POR Camila Yahn

    Há tempos eu busco entender por que a moda ainda é vista como fútil por tanta gente. Em inúmeras ocasiões, quando eu falava que trabalhava com moda em uma roda de profissionais de outras áreas, era como se eu valesse menos porque, final de contas, eu atuava em uma área que não é muito ligada ao pensamento, ao intelecto, à alguma utilidade ou benefício para a sociedade.

    Foi desde sempre assim. Nos final dos anos 1990, eu fechava a coluna semanal da Erika Palomino na Folha de S.Paulo e tinha muito a sensação de que os outros jornalistas e editores não gostavam da gente, como se nosso trabalho não envolvesse pensamento, reflexão, conhecimento e criatividade. Eu era uma recém chegada de 25 anos, colaborando em textos e crônicas que abordavam a moda e seus cruzamentos com outras áreas, como música, arte, noite, clubbing e as cenas de vanguarda que estavam surgindo. Escrevíamos sobre o que estávamos vendo e vivendo. A gente observava a vida acontecer e reportava isso num dos maiores jornais do país. Sabe o tipo de conteúdo que hoje as pessoas se desdobram pra ter, pra enxergar, para acontecer? O vislumbre do novo. Por anos, foi isso que fizemos. E como nos divertimos fazendo. One nation under a groove, a gente brincava.

    Talvez essa leveza incomodasse as outras áreas de mais respeito. Mas o fato é que essa sensação de ser menos porque trabalhava com moda demorou a sair de mim. Em uma roda, quando alguém falava: “a Camila trabalha com moda”, eu não sabia se as pessoas achavam interessante ou fútil, porque é uma forma muito vaga de falar sobre o que eu faço. Afinal, o que significa “trabalhar com moda”? O que vem à sua mente quando você ouve isso? Você enxerga uma revista? Um estilista? Uma passarela? Uma bolsa cara? Nada do que eu fazia tinha a ver com essas primeiras impressões.

    Foi quando comecei a fazer um exercício de olhar com distanciamento que entendi o que afasta as pessoas da moda e a faz parecer frívola – mesmo sabendo o tamanho dessa indústria, da quantidade de empregos que ela gera, do dinheiro que movimenta e das pessoas maravilhosas e criativas que atuam nela. O que causa essa antipatia é a falta de representatividade, é você olhar pra uma revista, uma campanha, uma loja, um grupo e não se ver ali. Por anos a fio você não se enxerga lá nem se sente bem vinda. Verdade seja dita, o universo da alta moda sempre foi uma área vip onde você precisa ser convidado a entrar.

    Lembro de quando fui convidada para um desfile da Chanel e eu era a única pessoa em meio a uns 800 convidados que não tinha uma bolsa da marca. Sem exagero. E era assim que eu era percebida, como “a ÚNICA pessoa sem bolsa Chanel”. Se você é inteligente, se entende do assunto, se tem uma bagagem, se tem auto estima elevada e segurança, nada disso importa. Você é a marca que você usa, a altura do seu salto, a magreza do seu corpo, as joias que te adornam, a cor do cartão de crédito e segue a lista. E é por isso que a moda irrita as pessoas. Porque as torna invisíveis e, pior ainda, perpetua esse ciclo, criando um imaginário que não condiz com a realidade da maioria.

    Esse lado da moda que dita as regras, que faz menos do outro, que faz o outro se sentir inadequado, que impõe o que usar, como e quando e que incita mês a mês a gente a achar que o que temos nunca é suficiente, é terrível e berço de muita frustração. A moda, a gente querendo ou não, lida com a nossa auto estima e esse é um papo sério. Quantas vezes eu não me enxerguei? Muitas, mas muitas vezes, mesmo cobrindo tudo do front, mesmo tendo presenciado e vivido momentos inesquecíveis, conhecido pessoas admiráveis de vários cantos do planeta.

    Em um texto do pensador alemão Georg Simmel chamado A Moda (Die Mode), ele diz que a moda satisfaz a necessidade de distinção e diferenciação. E faz isso, “mais energicamente, pelo fato de as modas serem modas de classe, de as modas das camadas mais altas se distinguirem daquelas das mais baixas e serem abandonadas no momento em que essas começam a se apropriar daquelas”.

    E continua: “Assim, a moda significa, por um lado, a união com os pares, a unidade de um círculo definido por ela e, conseqüentemente, a união desse grupo contra as camadas inferiores, a caracterização destas como excluídas”. Esse texto foi publicado ela primeira vez em 1911. Hã? 1911. Como? 1911.

    Por isso que, ao passear pelo Instagram hoje de manhã, conectei com um post que a estilista Day Molina fez, com uma série de fotos em que mostrava ela e uma equipe em um trabalho no Pantanal. Terra, sapatos com barro, calças sujas, horas à espera da melhor luz pra fotografar, tudo em meio àquela natureza que extasia a gente. Não tem bolsa Chanel que te coloque lá, baby. O texto da Dai fala sobre o estereótipo que habita tantas mentes, o eterno link da moda com algo ultra glamouroso. “Essa idéia mirabolante que moda é só holofotes é uma mentira tá? O mercado está mega cansativo por isso. Falta gente talentosa fazendo algo útil. Mas tem muita gente de ego inflado reforçando esse imaginário superficial”.

    Aí enxerguei com clareza o que mais me incomoda: muitos egos inflados para pouca coisa relevante sendo feita. Muita gente tentando se passar de guru no Instagram com falas e ações que não permanecem e não transformam de verdade, apenas mantém o que já é. Moda não é sobre isso, gente. Não vamos deixar que seja. E não significa que não pode ser bonito, lúdico, escapista, divertido, leve. Pode ser tudo isso, mas tem que vir acompanhado também de ética. Tem muita gente maravilhosa e sensível nessa indústria, com potencial criativo e transformador, gente talentosa fazendo algo lindo – e útil. Que olhe para os lados e perceba as pessoas. O mundinho da moda, por muito tempo, ignorou as pessoas, essas mesmas pessoas que sustentam essa indústria pulsante e gigante.

    Mas a boa notícia é que estamos adentrando um período de transformação. Tem uma turma nova chegando – Plural, diversa, empoderada, política, comunicativa e corajosa, trazendo consigo os ventos da mudança. Um grupo de marcas e profissionais criativos, como fotógrafos e stylists, que já trazem um novo olhar para a construção de imagem, de relacionamentos profissionais e narrativas. E é do lado dele que eu quero caminhar.

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